11 de setembro de 2011

Sentia o tempo, rápido, cruzar entre seus dedos. Escorria, mais gelado que o próprio vento que ansiou durante muitos anos. Aonde ia parar, o que faria quando não o tivesse mais, já não era problema. Sentava e sentia o cheiro do silêncio, porque cheirava e tinha sabor. Será que o tempo perdido era tão valioso assim, que sentia-se culpada por gastar metade do seu dia ao ócio? Sabia que aqueles minutos fariam falta quando não os tivesse mais. Daria o que fosse preciso para tê-los novamente, só para refazer os mesmos passos, sentir os mesmos cheiros e passar os dias à esmo, gastando e gastando os inacabáveis minutos, repetidamente, ciclicamente. Queria que aqueles minutos fossem os escolhidos para serem eternizados e, dessa maneira inacabável, seguidamente se veria perto dos seus melhores sentimentos. Toda utopia era viável em seus sonhos, o único lugar aonde a liberdade era realmente livre e a censura era um brinquedo que se adaptava às suas vontades.

19 de junho de 2011

Ela precisou de dois segundos. Foi assim, rápido. Descobriu que o coração ainda batia. Ela, tão encantada por aquele céu, por aquelas cores, por tudo que vivia dia após dia, conhecendo Lennon naquele enquadramento perfeito, conhecendo o cheiro do sofá, o cheiro da cozinha, o cheiro de si mesma, não conseguia, de maneira alguma, ver o que poderia estar tão além ou extremamente perto. Ela vivia em uma escuridão comedida, mas sentia que às vezes era difícil andar sem tatear com as mãos o que vinha pela frente. O calor das mãos deixava as marcas nos móveis, deixava as marcas na pele, na vida. Deixava esse tato incerto, tato que não sabe o que esperar. Ela tinha receio de tatear, tinha receio do que viria, por isso tinha medo da escuridão e tinha medo de aceitar o coração pulsante. Não queria ver a luz apagada, que força os olhos a se acostumarem, força os outros sentidos a se aguçarem, ficarem mais apurados, porque tinha medo de se deliciar com o resultado do tato inseguro e querer mais de tudo isso. Caminhava sem saber direito para onde ir. Mas gostava disso. E daí por diante, sentia no cheiro o gosto bom do café e sentava no sofá pra sorrir melodias.
Saosin, I can tell

31 de maio de 2011


O cenário era quase sempre o mesmo. Aquele sofá quente e aconchegante da sala, estrategicamente colocado de forma que o sol da janela se fizesse presente para pintar o tecido logo cedo, pela manhã. Lembrou-se de um baú, pequeno e vermelho, que guardou por tanto tempo e que já estava meio esquecido, empoeirado. Lá dentro ficavam coisas que jamais poderiam ser imaginadas. Eram papéis antigos, algumas coisas não tão antigas, e sim velhas, e umas memórias que rezavam para serem esquecidas, sendo assim, lembradas. Era um baú simples, fechado com uma chave secreta que ela, teimosamente, deixava cair em certas ocasiões nas mãos de alguém, permitindo que diferentes olhos percorressem todos aqueles sorrisos encaixotados uns sobre os outros, datados, catalogados e fotografados. Permitiu, em certos momentos também, que diferentes mãos tocassem nas lembranças congeladas que ficavam embaixo de tudo que poderia ser mantido ali, para que congeladas ficassem até que ela sentisse necessidade de aquecer para derreter. Foi nesses encontros da chave com mãos, do ferro na pele, que a chave nunca mais quis ser guardada. Lá estava ela, tentando manter o baú fechado, quando a chave dizia que gostaria de sentir o calor da pele. Metáforas a parte, os cabelos negros, com toda certeza, estavam voando, sentindo e aproveitando o sabor do vento.

“Tem tanta gente interessante por aí querendo entrar. Deixa. Deixa entrar: na vida, no coração, na cabeça.” Caio Fernando de Abreu

24 de maio de 2011

Manchas ensolaradas pintavam o sofá da sala. Refletiam no rosto de Lennon também, dando a impressão que seus pequenos óculos estavam ali, tão reais quanto nunca. O calor do café tomou conta de seu corpo, aquecendo atrás das orelhas o frio que insistia em ficar ali. Saiu e começou a andar contra o vento. Naquela oposição e extremos de sensações, pensava em destino, em pessoas, em dar as mãos. Mãos que tanto tentou manter junto às dela, e que apareciam e iam embora a toda hora, fazendo ausência, marcando sentimento. O casaco preto batia em seu corpo, dançava, se revoltava com o vento. Os folhetos amarelados eram apenas mais algumas folhas caídas de outono que rolavam e eram empurradas pelo vento, seguindo aonde ele levava, sem vontade própria. Existia todo esse fluxo indefinido, essa falta de importância dos caídos no chão sendo apenas empurrados por um peso maior do que eles mesmos e motivados pela falta de vontade de lutar. Ela sabia que existiam pessoas que eram como as folhas. Seguiam o vento, não tentavam voltar atrás e ainda alimentavam o pensamento de que era impossível virar as costas e caminhar em outra direção.

19 de maio de 2011

Pintou um fio fino de criatividade. Aquele mesmo que brotava sempre junto à solidão. Ironicamente, a solidão tinha pego suas malas e aberto a porta, indo embora, não deixando nenhum pedacinho dela mesma, e sim um cantinho mais pessoal e bem iluminado pela fresta. Ela sentia-se completa como jamais se sentiu antes. A criatividade tomou conta, devagar, espaço por espaço e, subitamente, seus olhos viam muito além de Lennon. Seus olhos enxergavam conceitos, histórias, fatos e tudo que se podia ver. Ela passou a engolir todas e quaisquer coisas que fossem possíveis, lambendo os lábios quando deixava um detalhe escorregar. Ela não queria perdê-lo. Saboreava lentamente, absorvendo cada gosto nesse sentido. O gosto, o sabor. O calor das palavras, esse doce e o amargo, nos extremos. Essa bebedeira de detalhes, esses sorrisos dados pela rua sem intenção de recompensas, esses gestos tímidos e intimidados por olhares e essa coisa toda que se passava nas Avenidas cheias de pessoas pensantes. Contou cada curvar de lábios, cada passo dado em direção ao café, cada grosseria proferida pelo careca da cafeteria e cada furinho que a mesa tinha. Assoprou a fumaça quente e, com o rosto quente, sorriu. Ela sempre sorria no final.

7 de maio de 2011

Uma pausa no mundo


Durante aqueles nove meses, além de carregar um coração novo, pequeno e sincero – e alguns bons quilos – ela sempre carregava o susto, a felicidade e a impressão de que, a qualquer hora, a barriga iria explodir de tanta ansiedade. E foi exatamente em um desses dias que, devido ao tempo, o coraçãozinho resolveu vir ao mundo e respirar com seu próprio narizinho. Foi aí que ambos os corações não descansaram nunca mais. Era o coração novo que teimava em se manter acordado quando o coração de mãe queria dormir e não conseguia descobrir a solução do choro de madrugada. E, mesmo assim, ficava ali, acordado, usando seus artifícios de mãe para que o bebê acalmasse e, finalmente, pegasse no sono. Enquanto as crianças brincavam, o coração de mãe sempre adivinhava qual seria o problema e, de antemão, confortava com palavras doces e curativos feitos com carinho. O coração de mãe também sabia ser o cobertor dos dias mais frios e chuvosos, quando parecia que o mundo ia cair. Ele deitava ao lado do coração menor e ali o fazia parar de bater tão acelerado. E, nesses 21, 18 e dois anos, parece que o tempo era só minutos. Em questão de dias o coração que antes era tão pequeno e frágil já era do tamanho do mesmo coração de mãe. Só do tamanho. Porque se fosse pelo significado e pelo que o coração carregava, a mãe deveria carregar o seu nas costas, assim como faz quando deve dirigir os primeiros passos dos filhos, quando deve levá-los no colégio e os deixa chorando, sabendo que é o correto. E aí sim, o coração fica tão grande que não cabe dentro dela mesma. Tão grande fica também quando deve assegurá-lo nas mãos no meio da noite, até que o filho chegue em casa, mesmo morando em outra cidade e já possuindo um senso de responsabilidade – graças a todo esforço desses dois corações, de mãe e de pai – enorme. E o coração de mãe fica ali imaginando se os filhos se alimentam bem, se cuidam e não passam frio à noite, porque não haverá mais ninguém com esse coração que vai cobri-los de noite caso não tenham pegado o cobertor. Ele fica ali bem apertado, rezando para que o filho tenha colocado o dito cobertor nos pés da cama. Mais apertado ainda esperando que o filho tenha ido ao mercado e comprado pão, frutas e leite. Magoado quando magoam o pequeno coração que já morou dentro dela por nove meses. Chora quando o choro do filho se faz presente e quando o filho briga e fala palavras duras. Mas esse coração de mãe é tão resistente que, quando o filho tem apenas dias, ele já sabe que vai criá-lo para deixá-lo solto no mundo, para que ele abra as asas e voe atrás dos sonhos. Antecipa os acontecimentos. E, mesmo assim, ela cria aquele coração pequeno com tanto amor e tanto carinho, que parece que conta cada dia, ano, até que ele vá embora e deixe um vazio na casa. Preserva o quarto para que ele volte. Guarda aquele monte de fotos e, de vez em quando, dá uma olhadinha nelas. Acha o filho a pessoa mais linda do mundo. Fala para todos que é. Mostra para todos. Exibe. E fica feliz quando escuta um elogio, não tanto para ela mesma, mas para os filhos. Dá um sorriso e concorda plenamente, contando as conquistas dos filhos seja para quem for, muito orgulhosa. Sempre lembra que aquele coração chorou muito quando era pequeno, pediu abraços e cheirinhos e dormiu muitas vezes com a mãozinha pequena assegurando a dela. Hoje a mão é grande e, às vezes, maior do que a dela mesma. Hoje o filho é tão grande e o coração cresceu tanto que nem parece que foi gerado dela. Mas foi. Aquele coração de filho sempre será pequeno aos olhos do coração de mãe e, aos olhos do coração do filho, o coração de mãe é a coisa mais inexplicável e incrível que existe. É clichê, mas dia das mães é todo dia, só que poucos lembram...

2 de maio de 2011

Graças a Deus, encontrava pessoas tão afetuosas quanto ela. Prazerosamente escolheu um livro emprestado de uma dessas pessoas, querida por ela, e começou a lê-lo. Depois de muitas páginas, voltas, olhos bordados de água, ela encontrou, na fantástica Martha Medeiros, sua própria descrição: "O simples nunca foi fácil, muito menos pra quem possui um coração no lugar onde tantos possuem uma pedra de gelo." Era aos seus olhos e os olhos dos outros, ao seu sorriso e à sua visão, perfeito. Dali por diante compreendeu bem melhor as ditas frases famosas e conselhos amigáveis sobre importar-se. Era a pedra de gelo que ficava ali dentro que, além de não derreter, gelava o corpo inteiro. Dava aquela imagem azul e roxa, comprando levemente o frio de Londres e fazendo-o habituar-se ao próprio corpo. Ela sabia. Existiam pessoas que simplesmente não se importavam e, por mais duro que fosse, deveria ser aceitável. Honestamente, temia perder o coração que possuía por uma pedra de gelo, devido à convivência forçada com desconhecidos frios que não sabem o que é importar-se. Nada. Nada além dos dias corridos pelas calçadas das Avenidas. As pedras de gelo eram frias, mas, apesar de tudo, traziam a beleza da diferença e a fazia se destacar pela fumaça quente que seus lábios e suas bochechas rosadas emanavam pelo ar.

23 de março de 2011

Sorriu para o espaço em branco que se formava atrás da porta. Claro e amplo, porém, escondido. Ninguém o via, a não ser que a porta se fechasse e ele se tornasse um espaço maior, convidativo, que coubesse, ao menos, duas pessoas apertadas e confortavelmente abraçadas. Ela não queria que ninguém mais ocupasse aquele cantinho branco que ali ficava. Negava com a cabeça que era um pensamento egoísta, e se justificava dizendo para as paredes e as almofadas do sofá que o canto já havia sido ocupado por algumas vezes e que, dessa maneira, o branco já não era mais o mesmo. Ela queria limpá-lo e deixá-lo completamente alvo até que pudesse ser ocupado de novo por alguém que soubesse cuidá-lo. Enquanto isso, mantinha a porta entreaberta e cuidava cada um que passava em frente a mesma, sorrindo, ignorando-a, dizendo que ela mesma fazia papel ridículo. Ela, contudo, sentia-se feliz preservando seu cantinho quente e tomando seu cappuccino. Era cômico vê-la ali, com seu velho cachecol, sorrindo entre dentes e arrumando o cabelo do rosto, enquanto bebericava notas e silêncio, fumaça e frio, olhares e indiferenças, canções e poesias. Ela estava realmente feliz assim.

4 de fevereiro de 2011

Havia pessoas em Londres que notavam o semblante solitário da mulher de cabelos escuros. Porém, da mesma maneira que era correspondida por poucos, muitos não a notavam. Era certo que a mesma não queria a atenção de desconhecidos, mas o reconhecimento que poderia partir de uma só pessoa não viera. Subitamente, reconheceu que não precisaria mais de olhos coloridos, só precisaria da cor dos seus próprios olhos. O vento que tanto desejara sentir, que tinha medo de perder e de não ser como nos sonhos, ali estava, presenteando seus cabelos com seu frio. Era hora de sorrir, ela sabia disso. A porta havia sido fechada e, nem por isso, ela não abriria outra. Só que para isso, queria que fosse sincero. Não é porque existiam lágrimas, que essas deveriam ser derramadas, portas batiam a toda hora e pessoas surgiam, entravam, saíam e, até mesmo, trancavam as mesmas. Ela não queria trancar a porta, mas também não queria que ninguém entrasse e, acima de tudo, não queria entrar em outra, enquanto não fosse verdadeiro.