21 de dezembro de 2009

Eram folhas amareladas. Para dar um tom mais clássico, havia queimado levemente as suas pontas. Que tipo de autor queimaria as pontas de folhas amareladas? Não era um drama. Era um conto de fada, daqueles com finais felizes. Pelo conforto que ele trazia a cada página folheada, era feito exatamente sob medida para àquelas situações. Talvez o autor se importasse com o sentimento do leitor mais do que o esperado, ou só quisesse fazer aquilo pra deixar mais bonito. Não importava. Levantou-se e foi até a janela ver se o tempo estava ao seu favor e, fitando Lennon, decidiu caminhar. Guardou o livro no maior bolso do casaco e suas bordas queimadas ficaram para fora, dando um ar de extremamente decididas. Imaginou que não seria possível ficar muito tempo fora de casa, sentia-se vagamente perdida longe das suas paredes e do seu chão. O negro dos seus cabelos fazia par com seus lábios vermelhos, e seus grandes olhos escuros marcavam profundamente o seu rosto. O cappuccino que comprara estava tão quente quanto gostava, e seu perfume floral exalava cada vez que passava por alguém, fazendo todos, em sequência, virarem os olhares ao seu encontro. Sentou-se no primeiro banco que havia livre. Sentia-se melhor quando não havia ninguém olhando. Tirou o livro do bolso, que dessa vez parecia muito menor, pois não abrigava nem metade do livro que antes só possuía algumas pontas de folhas para fora, e na sua contra-capa havia um esboço de um desenho. Entre várias linhas, identificou duas pessoas abraçadas, como se o último dia de sua vida fosse aquele, e não existisse amor maior que o representado ali.

6 de dezembro de 2009

Queria de alguma maneira tentar explicar porque as músicas refletiam dentro de si mesma. Eram elas que faziam suas lembranças voltar, eram elas que inspiravam e que deixavam em seu interior um grito preso, um pedaço de recordação trancado na garganta, versos desejosos de voz, até mesmo lágrimas, o ápice de seus sentimentos. Não queria deixar os dias irem sem um sentido. Eram as antigas e clássicas contradições, que moviam as horas em um ritmo cansativo. Suas paredes chamavam alguém, até mesmo Lennon sabia que ela precisava de um complemento, e não sua metade. Não poderia se anular. O seu sofá verde mostrava que além dela, mais alguém deveria sentar-se ali, e ocupar o lugar das almofadas amarelas e laranjas com franjinhas que trouxera da casa da pessoa que a guardava em baixo das asas. O espaço vazio do sofá procurava ocupar com controles da televisão, e coisas tão supérfluas, que no lugar de substituir alguém, só a fazia lembrar mais que o lugar deveria ser ocupado. Mas não queria achar ninguém. A razão que por muito tempo procurava em sua vida, já havia sido descoberta. O céu que deliciava seus olhos, a porção escura e antiga da cidade, as praças convidativas que conhecia, os cappuccinos do café de portas vermelhas, os livros, as músicas. Tudo isso era sua felicidade, que não imaginava como alguém pudesse fazê-la, ou trazê-la. O homem de Saint Paul estava muito ausente, tal como seu perfume no cachecol. Ela só não queria depender de ninguém, não queria depender de um sentimento que amanhã poderia não existir. “Does anybody else in here, feel the way I do?”

26 de novembro de 2009

Eram aqueles detalhes invisíveis aos olhos cegos dos outros que a faziam lembrar que eles mesmos faziam a diferença. Quando aquela cerca viva tomando conta da parede de uma casa fosse cortada, o que ela perceberia ali seria somente mais uma parede escura, antes branca, pela ação da chuva, dos ventos, da poeira e do esquecimento. É que ela talvez não enxergasse o bonito no comum. Ou talvez o comum pudesse ser bonito, como os versos que trazia de Carlos Drummond de Andrade, o qual provava que a poesia poderia ser feita até mesmo de uma pedra, e ela poderia traduzir em úmida, solitária, rígida... E ela seria significativa para alguém, sempre existe alguém. É a antiga teoria do chinelo velho para um pé torto. Mesmo que não fosse alguém, seria uma causa, uma ideia, um sentido qualquer. Porque o sentimento de reciprocidade dava a ela segurança, como se recebesse algo por aquilo que doava. Obviamente, não fazia sentido, não recebia nada. Isso por muito tempo doeu a ela... É que hoje era mulher, sabia que as decepções, tanto de amor quanto de qualquer outra espécie, eram inevitáveis e não eram o temido fim do mundo. Sempre haveria mais e mais, pra fazer se ocupar com a presente e esquecer a passada, mesmo que da pior maneira. Mas só de andar por aquelas ruas... Sentindo aqueles ares, procurando em rostos algum já conhecido, comprando seu cappuccino e voltando para casa sempre da mesma maneira, sentia que jamais fora tão feliz em sua vida. Era o cinza, que sempre chamava pelos seus olhos.

17 de novembro de 2009


Entre aquelas velharias que não tinham serventia, encontrava-se uma velha foto. Nos anos, o tempo havia desgastado seus cantos, os pequenos animais haviam feito mínimos buracos ao longo de todo o rosto de bebê que ali se encontrava. Era confuso olhar cada pedaço e recordar exatamente do que se tratava. Porque antigamente aquela mesma foto em tons apagados devido ao advento de novas máquinas, teria um valor inestimável e a faria possuir sentimentos. Hoje já não sentia mais isso. Estava apagada. Então, devagar, soltou a foto na mesa do hall e foi até o café, buscar o cappuccino. A garçonete ruiva estava lá, derrubando seus panos e anotando pedidos. E para sua surpresa, o homem de Saint Paul estava sentado ao balcão, conversando com o dono mal humorado do bar. Entre suas mãos, jornais, notícias atuais, fotos e tragédias. Sem sentido, pensou. Sem reflexões também. Afinal, pensar em tantos problemas antrópicos a deixava mal. Pegou o cappuccino e não se atreveu a olhar para o homem da catedral. Ele a fizera pensar por muito tempo em alguém que a aquecesse no ar frio de Londres, e preferia não ter que relembrar que fora em partes ignorada. Virou, abriu a porta, saiu pelas ruas ouvindo sua música, entrou em casa depois de ter passado pelo velho caminho de pedras, e pegou a foto velha. Sabia o que deveria fazer.

17 de outubro de 2009


Partimos do pressuposto de Adão e Eva. Certamente mantemos nossas dúvidas se a maçã nos condenou a seres pensantes, se era nosso “destino” ou se ela realmente existiu. E é claro que tudo isso nos leva novamente a questionamentos e loucuras datadas desde antigamente.
Então, pode-se supor que havia mesmo uma maçã ou que houve a ruptura do núcleo de um átomo, pois chegaríamos ao mesmo objetivo: nós. E que não haja nem religião nem ciência que predomine sobre minha conclusão.
Se estivéssemos nus, fazendo colheitas em plantações de subsistência e nossos maridos caçando para a janta, poderíamos não ter tecnologia ou qualquer coisa tão habitual ao nosso alcance que não sentiríamos falta, afinal, não saberíamos de sua existência. Poderíamos evoluir aos poucos, mantendo nossas classes sociais de acordo com a aldeia, tendo nossas diferenças não tão acentuadas como as perceptíveis atualmente.
Aí entra o papel do fascinante homem em partes desastrado. Mas não é pra ser uma história cômica. Do caminho das Índias ele fez um grande desvio e acabou encontrando a América. É claro que na época era considerado um descobrimento e Colombo ficou com a glória de encontrar uma nova civilização. O que foi descartado dessa história talvez fosse importante, ou não. Essa é a nossa história, a história de um povo que já lutou contra o Império, a ditadura. Se fosse diferente, poderíamos desenhar vários outros caminhos até chegarmos no melhor. O problema é: como saberíamos chegar até ele?
Da ambição chegamos à maçã, e da ambição também chegamos à teoria dos átomos e até onde a vantagem de ser pensante nos levou.
Então, se ocorresse progresso no continente que segundo os livros já era evoluído, um dia nos achariam e a colônia de exploração seria iminente. Tamanhos recursos encontrados aqui seriam atrativos demais para ser deixado passar em branco. E assim, seu desenvolvimento seria muito maior do que à época que nos colonizaram.
De tudo isso, vem a força de vontade de sobrevivência, que fez o homem se adaptar inconscientemente a tudo que vinha passando. Suas necessidades o faziam se adaptar, e essa constante mudança, felizmente ou infelizmente, ninguém é capaz de afirmar sem prós e contras, o fez ficar cada vez mais próximo dos sete pecados. Evidentemente, esses foram ditados também. Ainda existem aqueles que sofrem o medo de cometê-los.
As organizações de sociedades antigas, sem o advento do comércio, indústria ou qualquer outro tipo de atividade que envolvesse sistemas sociais, eram beneficiárias igualmente. Então se fala da utopia, pois desde os antigos, não houve jamais uma sociedade sem diferenças sociais ou raciais. Mesmo dentro de famílias nota-se uma posição patriarcal dos pais sobre os filhos, sobretudo o homem, que desde o princípio era considerado o chefe de família.
Então até hoje me pergunto: se essa maçã existia, Adão e Eva foram tão ambiciosos a ponto de prová-la e fazermos andar vestidos, pensando e julgando (até mesmo mal) tudo que nos contradiz e não nos favorece. Agora, se ocorreu a explosão dos átomos, julgo a mim mesma incapaz de julgar alguém, porque não existia Adão e Eva de acordo com a teoria da evolução. Consideremos Adão e Eva nossos antecedentes e nossos iguais e nos espelhemos neles para nos tornarmos tão ambiciosos que mal conseguimos enxergar além de nós mesmos e, quando conseguimos, não nos movemos para alcançar a mão ao nosso semelhante.

7 de outubro de 2009


De fato, sentir saudades era dolorido. É claro que era uma das coisas mais comuns encontradas no emocional de alguém. O dia estava ensolarado, e ela viu novamente a sua sombra cruzando paredes e pedras disformemente. Lá estava ela aos seus pés, representando a única coisa que não era menor que ela, e sim “alguém” que a idolatrava por nunca possuir a cor e o privilégio da vida. No resto, só tinha uma coisa a fazer: segui-la. Incessantemente. Até que o sol se pusesse, e a escuridão chegasse fazendo ela se unir à outras sombras que possuíssem o mesmo sentimento de inferioridade. Como ela já tinha observado há muito tempo atrás, tinha uma simpatia com sua sombra. Se parecia como uma amiga, pois a seguia até mesmo pelos caminhos mais tortuosos… E no escuro, quando achava que já não a via mais, descobria que a escuridão era uma grande aliada. Como alguém a disse um dia: “Os momentos e sentimentos são vividos aos extremos pelos poetas.”. Ela achava mais do que necessário possuir a solidão como um conforto e um incômodo. Paralelamente às antíteses, sentia-se confusa, frequentemente acordava e apenas observava a janela à sua frente, assistindo o tempo passar, ouvindo os segundos irem embora a cada tique compassado do seu relógio de cabeceira. Talvez fosse fácil e simples assim, não fazer o tempo valer a pena, e sim apenas deixá-lo passar. Depois de arrastados minutos, sua parede áspera e verde limão, nada condizente com o andar clássico abaixo de seu quarto, a chamou. Ela voltou à si mesma. Precisava levantar, desejar “Bom dia” à Lennon e buscar o seu cappuccino. Ali, ela somente sobrevivia.
“Escape from this afterlife.”

30 de setembro de 2009


Sentou-se no café. Sua fumaça fazia os contornos do seu rosto, exatamente como um sonho que teve há muito tempo atrás, em Saint Paul. O quente queimava seus lábios, sua pele sentia o sentido do café descendo em sua garganta, era a justificativa de seu nervosismo a consumindo. Porque todos que sempre a tiveram a jogaram fora, como simples papéis, uma conta de supermercado, um bilhete de geladeira. Não saberia o quão valiosos poderiam ser, por isso em sua caixinha guardava até uma pequena embalagem de um remédio. Era o caso que, quando o via, se reportava ao antigo. Mas as pessoas sempre eram frias e, as que não eram, tinham um sentimentalismo tão exagerado que não viam nada além do que quisessem. Não existia meio termo. Ou o papel ficaria na geladeira para sempre, ou iria ao lixo junto com tantas outras coisas. Mas aí o sentimental vai se questionar se valerá mesmo o custo de manter no mínimo dois quartos abarrotados de botões e capas de cd’s quebrados que, por exemplo, lembram uma saia destituída do seu completo e um descuido por estar ao lado de alguém especial. E aí tanto cuidado com objetos pessoais acabar se tornando maçante ou prazeroso, e é claro que o maçante, ao se desfazer de tudo, vai se tornar um frio por não guardar mais datas ou um desinteressado em um passado bom. O prazeroso vai ser taxado de louco por guardar coisas que para os frios são chamadas de “lixo sem valor”. Mas entre frios, sentimentais, maçantes e compulsivos, há uma data (sempre há ao menos uma) que nunca será esquecida e um papel ou um pequeno fruto em um pequeno saco que jamais irá ao lixo.

26 de setembro de 2009


Levantou-se calmamente para ver o clima do seu novo dia, e alegrou-se por sentir mais um dia típico de Londres. Só que esse dia era primaveril. Buscou lá no fundo do seu armário surrado uma calça vermelha e preta e vestiu-a. Depois colocou uma blusa e um casaco que alcançava seus joelhos, ambos pretos. Achou o seu lenço vermelho e o amarrou ao pescoço. Como em outros dias, os seus cabelos estavam ondulados, porém, no seu lugar costumeiro. Já estava farta de pensar em sentimentos. Se fumasse, provavelmente já teria acendido ao menos uma carteira de cigarros para controlar sua ansiedade sem origem nem objetivo. Se fumasse mas quisesse parar, tinha a certeza que teria uma recaída. Mas, ah… Aí estava a notícia boa: ela não fumava. Uma preocupação a menos, enfim. Só que ela ainda possuia uma dependência cuja abstinência já estava a deixando elétrica. Precisava do seu cappuccino. Não sabia como as pessoas poderiam não gostar de café. Até o aroma parecia em partes satisfatório da sede. Passou pela sala e deu uma piscadinha para o grande quadro envelhecido de John Lennon em sua parede. Foi até a cozinha e preparou um café para mais tarde comprar seu cappuccino. No mínimo quatro xícaras por dia, sim senhor. Sentou-se na sala e ligou a televisão para que sua cabeça não escutasse nada na sua casa vazia. E ali estava Lennon a fitando através dos pequenos óculos redondos de aro fino e cantando devagar ao seu ouvido “She loves you, yeah yeah yeah…”. Ela não pôde deixar de sorrir à visão desse pensamento. Jogou um beijo de sua mão espalmada à Lennon e chaveou a porta. Andando por aí, como na maioria das vezes, indo ao Café e depois saindo sem rumo, encontrou a árvore que havia chamado de Jenny. A árvore que antes era pequena e comum estava enorme e, na primavera, com grandes flores violetas. Então ficou imaginando onde andaria a simples garotinha sonhadora a qual ela tinha criado uma simpatia imensurável. Seja pela familiarização que possuía aos sonhos ou ao fato de ser sonhadora como a pequena, ou pela vontade de protegê-la, possuía um enorme desejo de reencontrá-la e vê-la sorrir, querendo ver um vãozinho nos seus dentes da frente, a perda do primeiro dentinho de leite, que ela nem ao menos sabia se já havia ocorrido.

23 de setembro de 2009


Da sua infância bem vivida, lembra em partes do medo do seu quarto e de carinhos paternos. E logo relembrou de outra sucessão de fatos. Era pequena, já não lembrava mais sua idade exata e também achava um detalhe dispensável. Seu maior espelho era sua mãe. Não que hoje fosse diferente, mas quando pequena, em sua sociedade limitada à quatro paredes da sua casa, sua mãe era realmente uma princesa, sereia e outras rainhas de contos de fadas. Logo que cresceu um pouco, ganhou uma pequenina sandália com duas tirinhas. O pequeno salto a deixava orgulhosa de pensar em ser como sua mãe um dia. Saiu pela rua, aquela rua de pedras e poeira, para poder mostrar a importância da frase da sua mãe, “Que linda, já é uma mocinha”. Como criança, sempre pensando em ser mulher, começou a correr, sem lembrar das tirinhas e do pequeno salto. Depois disso, além das vagas lembranças, tem a recordação do colo quente do seu pai e das mãos cuidadosas da sua mãe fazendo curativos nos seus joelhos e em uma das suas mãos. A sua pequena sandália tinha arrebentado e, na sua mente, ser “mocinha” já não era mais possível. Como sentia saudade da sua inocência infantil, e sabia que esse tipo de inocência não era presente nas pequenas “mocinhas” de hoje.

17 de setembro de 2009


Sua família não estava mais ali, já não assistia mais o rosto dos seus pais, das pessoas a quem desejava. No íntimo, sabia que estava sozinha e queria que tudo isso fosse fruto da sua imaginação, um fruto amargo, azedo, mas um fruto benéfico. Ali ela pesaria o tamanho dos seus benefícios e o tamanho da solidão que em dias mais fechados a perguia sem sentido. Então, enfim, chegava à conclusão de que o mundo em que vivia era puramente seu, que cada um era pleno em seu próprio espaço, porém, a maioria das pessoas buscava a felicidade no “clichê” humano, e essas que viviam assim, pensavam sem falar, julgavam em seus pensamento distante o jeito do frio (de ambos sentidos) da vida dela.

12 de setembro de 2009


Logo que entrou em casa, sentiu o delicioso perfume floral. Ela sentia o gosto do ar doce, e ao olhar pro lado, avistou seu cachecol vermelho. Era dali que o cheiro se propagava. Sentou-se devagar. Então vieram aquelas cenas, uma a uma. O dia era cinza, naquele cinza costumeiro e dono de uma perfeição incomparável. Existiam duas coisas além do mesmo céu. Existiam gotinhas minúsculas que caíam pintando seus fios de cabelo escuro. O frio era habitual, não era de tanta importância como a chuva fraca. Era nublado também, escuro. Mas o que a fazia lembrar de tudo isso era a outra coisa que até ali não fazia parte do seu espaço clássico e sentimental. Era alguém. Ela lembrava que a partir daquele dia chuvoso aquele alguém fora por muito tempo uma espécie de razão de viver. Era o seu primeiro namorado. Foi quando ela abriu os olhos e viu que as cenas se passaram em um sonho. Ela estava com frio, as horas tinham se passado em uma velocidade incalculável. Tudo continuava intocado, da mesma maneira que antes. Somente o tempo não tinha parado, incessante, sufocante. Hoje ela era mulher, parecia ter uma vida de fábulas, de poemas, uma vida tratante e corriqueira, parecia falsa. Mas ela sabia que era real, muito além de um beliscão no braço que chame do sonho à vida. Concomitantemente com sua vida adolescente, podia jurar com precisão as recordações das noites mal dormidas e de uma agenda escolar que, ao contrário de anotações de provas, guardava palavras intensas. Como era confortante estar ali, deitada no escuro, no sofá da sala. Apesar do frio, ela estava no macio de Londres. Levantou e não ousou ligar a luz, foi até o banheiro e tomou um banho quente, depois deitou-se novamente e abriu uma antiga caixa que guardava seus sonhos irreais. Ali ela encontrou coisas que não lembrava, e depois de passar os olhos devagar, percebeu que não queria vê-las naquela hora, e a fechou.

8 de setembro de 2009


Sentada em frente ao noticiário pouco entendido, ela balançava freneticamente uma das pernas cruzadas. Sentia-se nervosa, mas sem um motivo aparente. Remoía palavras ditas e não ditas de seu passado. Típico da sua personalidade, aquela dificuldade de superação e aquele baú cerrado de uma poeira doentia, de uma poeira viciosa. Metáforas à parte, ela já sabia que passado não mudava. Por quanto tempo desviou seu foco por uma decepção? Logo, pensou no desconhecido de Saint Paul. Ele não aparecera mais, ela nunca mais o encontrou. Talvez ele fosse significativo e ela não tinha ideia. Seus pensamentos eram duvidosos e aquele dia se tornava mais triste, se julgava mal, porém, continuava a se julgar, continuava a pensar que cada um que conquistasse, da menor das maneiras, viraria as costas para ela. Então lembrou de tudo que já havia passado, de todas palavras que um dia já conseguiram, por um momento, demonstrar um resquício de vida. Mas ela sabia viver. Ela era muito sensível, mas também era muito forte. Eram só fases, ruins ou boas, logo que saísse o sol, sem aquecer, só para ceder um pouco de luz entre as nuvens escuras, ela sabia que se sentiria melhor. O sol passaria entre aquelas construções góticas, antigas, se dissiparia entre alguns vitrais coloridos encontrados em algumas casas rústicas, esbarraria nas poças, na umidade das paredes e pedras… E iria refletir no seu rosto, nas suas maçãs faciais.

4 de setembro de 2009


Abriu os olhos devagar, e ficou deitada na cama macia, esperando o resto da escuridão acalmar seus olhos. Devagar virou-se, encostou o ouvido no travesseiro e espalhou as pernas através de toda a cama procurando um canto gelado. De repente aquele calor que ela sentiu a noite toda exigia um lugar frio. Logo que achou, repousou seus pés devagar e os músculos que estavam contraídos agora estava relaxados. Então ela ouviu seu coração. Cada mínima batida, o compasso, a marcha lenta que fazia continuar ali. Ela conseguia ouvir perfeitamente a diminuição do ritmo quando sua respiração não estava mais ofegante. Subitamente, as batidas lentas lembraram da sua infância. Era aquela casa pequena, feita de madeira, que por dentro possuía divisórias de madeira clara, os quartos eram pequenos e uma beliche ficava no pequenino cômodo central, que tinha acesso à cozinha e à sala. Seus lençóis eram pintados de dança, um homem e uma mulher, que vestia um vestido longo, dançavam da cabeçeira aos pés da cama. Além disso, vários espaços eram pintados por listras em azul e amarelo. Seus olhos relembraram tudo isso. As batidas puxaram seus pensamentos. Era ela, com seus 9 anos de idade, sentindo-se incomodada como hoje em ouvir seu coração. As luzes apagaram e seu rostinho infantil e pacífico virou para a divisória da parede, aonde havia uma estrelinha que brilhava no escuro, como uma mini companheira. Seus rosto colado ali, em um espaço milimétrico, fazia sua respiração soar mais alta. Naquele canto frequentado por ela todas as noites de sua infância, encontrava um lugar seguro. Seu medo de criança, de monstros embaixo da cama, era denunciado pela proteção que sentia quando se isolava do restante da cama. Sentia também a mão de sua mãe tocar seus braços pequenos e frágeis, para trazê-la ao meio da cama, mas a relutância era tanta que, no fim, sua mãe a deixava com um beijo e um “Dorme com Deus e com os anjinhos” e resolvia ir deitar. Só que hoje ela dormia virada para o corredor, sem medo. Todavia, sentia falta de dormir no canto da parede, se isso significasse um beijo antes de dormir todas as noites.

31 de agosto de 2009


O que é mais puro e perfeito que os olhos? As câmeras não conseguem capturar o que se vê ao lado deles. E como elas capturariam cada balanço delicado daquelas árvores de poucas e ralas folhas londrinas? E como capturariam também um momento pré-sono tão singelo e calmo e o som daquela música ou do silêncio? Do farfalhar das folhas secas caídas, se espalhando e se arrastando pelo chão molhado de pessoas infiéis, medrosas, corajosas, sentimentais e frustradas… Se a melodia era outra, as palavras saíam confusas e em uma desordem não habitual. E ela estava ali, tentando fotografar coisas que sua percepção conseguia assimilar e que jamais veria de novo. Tentava se explicar, justificar a si mesma, que não voltaria mais naquele lugar com aquela música e com aquele cheiro, e tentava também não se culpar por não ter isso de volta. Viver daquela maneira parecia aos olhos dos outros vazia e seca, mas o que ela queria mostrar era o modo de se viver, completamente estranho e, de qualquer jeito, feliz. Era como se viver. Quem lhe falava do céu tão colorido e criticava seu céu puramente cinza com tons avermelhados, achava que chorar era humilhante sem saber que crescia ao mesmo tempo, dizia também que era um modo difícil de sorrir. Mas ela sabia, sim, que poderia sorrir enquanto o frio estivesse ali. O que queria era encontrar alguém, precisava de alguém que pudesse abraçá-la, que sentisse como ela se sentia em frente ao frio, e desejasse o calor que ela desejava. Então, desesperadamente, pensou em voltar. Voltar de onde tinha saído. Não queria deixa seu céu. Queria abraçá-lo, queria tê-lo para sempre, queria aquele cenário até o fim dos seus dias. Era aquele cenário, aquela devoção cega, aquela utopia.

26 de agosto de 2009


O que ela fazia dali em diante? E ao considerar a expressão “em vão” lembrava-se de um passado não tão remoto e ainda não superado. Apesar das suas perdas serem relativamente pequenas e insignificantes para qualquer outra pessoa não tão observadora e sensível como ela, ela sentia um grande vazio pela ausência deles. Mas o que era hoje relembrar? Talvez um ou outro guardaria o sorriso sereno e receptivo dela de todas as manhãs, provavelmente esse seria o mendigo, o mais humilde deles e, na opinião dela, o mais carente de carinho. O homem de mãos dadas com a menina nem a notava no caminho, tamanha era a pressa que a maleta e o terno escuro dele traziam. Já a menina poderia esquecê-la ao ganhar um abraço caloroso da mãe, da tia, da família… Ou não. Ela nunca saberia, e a rua que hoje enfrentava era deserta e calma. Ela estava sentindo mais frio que o comum. Vestia o seu antigo e surrado cachecol vermelho que ainda guardava o cheiro do seu perfume floral. Sabia descrever cada milésimo de segundo dos seus movimentos. Ela já não era mais tão delicada, essa leveza se alternava com seus momentos mais frios e ela não sabia definir uma razão ou um pensamento fixo. Ali sentia-se fria e muito cética. Queria não imaginar que se sentia mal em um lugar onde não fazia nada além de comprar um cappuccino em um bar velho e não tinha nenhum tipo de relação com pessoa alguma, e que, sem dúvida, sentia muita falta disso e isso a incomodava.

17 de agosto de 2009


Saiu para fora de casa, o verde de seu caminho de pedras estava salpicado pelas gostas da chuva da noite. Duas pequenas poças estavam ao lado da sua flor mais bonita, que apesar de gostar tanto da sua beleza, não sabia seu nome. A poça à sua esquerda refletia sua imagem distorcida. O vento batia na água e formava leves ondas. As gostas de chuva que restaram nas folhas das árvores iam caindo, e de cada pingo desses, ondas compassadas iam aumentando proporcionalmente. Em um instante que fitou o seu rosto, já não o via mais. Só conseguia enxergar o céu nublado e escuro. Levantando a cabeça, conseguia ver além da cerca vizinha, duas crianças sentadas com as pernas cruzadas, como jovens mocinhas falando de namorados. Que irônico… Lembrava de uma situação que passara dias atrás. Em um banco estavam duas meninas, eram pequenas e tinham uma bolsa cada uma, e olhos pintados. Passados curtos minutos, dois meninos chegaram, sentaram ao lado delas e sairam de mãos dadas. Então, ela se perguntava qual seria a razão mais forte que a fez desistir da infância e das panelas na cozinha rosa em miniatura. As antiguidades e aquilo que antes era considerado caretice, hoje denunciava a falta de brincadeiras no quintal das casas. Que ironia. Logo ela, que vivera cada instante da sua infância, via duas pequenas meninas daquela maneira. Desviou os olhos delas e correu-os novamente para a poça. Ela ainda estava ali, com sua imagem desfocada e disforme, só que dessa vez, havia algumas folhas boiando nela.

14 de agosto de 2009


Ela aprendeu a não caminhar de cabeça baixa, onde só enxergava seus pés, e sim com o rosto erguido para olhar todos como seus iguais. Demorou muito, mas também aprendeu a todo custo que decepções eram inevitáveis e extremamente dolorosas, aquela dor não doída, que fica na garganta por tempo indeterminado até que se esqueça dela. No tanto que andava sozinha ali, não avaliava mais a mente humana, pois sabia que conhecimento limitado só limitava suas expectativas. Surpresas a consumiam e a sua frase a respeito de choros era a velha “Não sei”. Mas no fundo sempre soubera e sempre saberia, bastam motivos para se sentir triste e lágrimas dispostas a cair que sua armadura estava ali, ocultando a parte sensível e secreta de si. Decepções são inevitáveis, ilusões são inevitáveis. Olhos fechados por um instante são um perigo. Perder muito tempo ou pessoas pode ser muito frustrante. E ela sabia disso.

30 de julho de 2009

2 - Post Perdido.


Meça suas palavras e entregue-se à elas, nenhum dicionário trará a verdadeira intensidade da palavra amor. Para os céticos em sentimentos, nada mais que uma palavra, para os cegos amantes, talvez o rumo de uma vida. O que é “te amo” para aqueles que mais esperam? Talvez uma vida toda por cinco letras. Meça também seu afeto, um roçar leve que mãos úmidas, inocentes e nuas, para um cético, várias dúvidas e desvio do objetivo, para um amante, um novo início e o aguardo de cinco letras. Meça suas lágrimas e não se admire por aquelas que não mereceram cair, se cairam não foram em vão, pelo menos no momento em que passou. Meça um abraço, que pode ser considerado tão insignificante quanto uma palavra para os descrentes e insensíveis. E é quando o sentimentalismo resolve sair por cada poro de nosso corpo material, que infelizmente, por nos acharmos jovens demais, preferimos desacreditar no amor e não lhe dar chance.

24 de julho de 2009


Durante dois dias não tinha esquecido o rosto minúsculo da criança de cabelos finos. A menininha não voltara, e ela sabia que não voltaria a vê-la. Só gostaria de saber se o frio a encomodava, se ainda estava com fome e se ela estaria bem. Trazia preocupação, sentia que deveria ter feito alguma coisa enquanto a tinha em seu alcance… Porque apesar de tudo, sabia que era tão simples fechar os olhos e ignorar os fatos… Mas não poderia. Alguém poderia se sentir como ela? E os sonhos da criança, por onde andariam? Teriam um alicerce, uma formação, uma ideia, um apoio? E os olhos dessa mesma criança, o que veriam ainda? E o abraço dado diariamente por um coração quente, ela não teria… E durante dois dias não tinha esquecido o rosto minúsculo da criança de cabelos finos. No terceiro dia, já não lembrava direito dos seus olhos amendoados e nariz pequeno. Só lembrava da cor do cabelo e do formato do rosto. Era um tom de dourado bonito, com o fio fino. E seu rosto era arrendondado, com um queixo extremamente charmoso, com uma leve curva. Era sua única lembrança permanente da menina, até que seus pensamentos a apagassem inteira de dentro de si. E durante dois dias não tinha esquecido o rosto minúsculo da criança de cabelos finos. O seu caminho foi feito novamente, e não conseguia olhar para aquele chão sem lembrar dos pequenos pés saltitantes que ali a acompanhou por poucos minutos. Então, novamente, trocou de Avenida. Seus olhos não haviam se acostumado mesmo com aquela, era fácil de se conformar dessa maneira. E na outra Avenida encontrou telefones públicos vermelhos e uma multidão. Por onde tinha andado esse tempo todo, procurando afeto sem procurar, e não vira que ali do seu lado existia uma rua onde conquistar seria tão difícil quanto se desapegar? O homem de Saint Paul, o mendigo, a baixinha de pernas curtas, o homem e a pequena garota, e a menininha. E durante dois dias não tinha esquecido o rosto minúsculo da criança de cabelos finos.

A walk on part in the war, for a lead role in a cage? How I wish, how I wish you were here.

22 de julho de 2009


Como o esperado, a garçonete pegou o papel, leu, e ficou olhando para os lados, como se uma pedrinha amarrada em outro papel fosse cair em sua cabeça. Chegou a olhar para o teto. A mulher do lado de fora riu. Ela riu. Parecia tão estúpida rindo solitariamente ali fora… Foi para casa, pela outra Avenida, claro, o mendigo e seus outros “companheiros” haviam sumido… E naquele caminho se sentia mais segura, pois ali não tinha ninguém, absolutamente ninguém, então não perderia o afeto conquistado (até porque o seu saldo antigamente positivo hoje estava zerado). O outono parecia se estender e os dias não passavam, eram como longos minutos, talvez doloridos ou não. O seu maior sonho era estar ali e estava o realizando, o que faltaria? De alguma maneira, sempre tão cheia de pessoas e com a atenção de quem admirava voltada para ela, a solidão e estar sozinha a confortava. Sentar com muita gente ao seu redor e preferir sentir o vento gelado batendo em seu rosto quente, era muito melhor do que saber que o vento barrava e ficava naquelas pessoas. Sentia-se tão fria. Tão inocente, olhou para seus pés e começou a pular as lajotas brancas, não poderia pisar nas linhas. Porém, seu all star insistia em deixar sua ponta pisar as linhas. Foi andando assim por uns 100 metros, que encontrou uma menininha fazendo o mesmo. Ela estava sozinha e com um ralo casaco rosa. Imaginava se não estava com frio. Baixou a cabeça e continuou pisando nas lajotas escuras, foi quando ouviu um “Você pisou!” em um inglês de vozinha fina, delicada e infantil, saindo da boca da menininha. Perguntou se a menina não estava com frio, e ela respondeu que não tinha outros casacos, que não via sua mãe desde pequena e que sua irmã dois anos mais velha era quem a cuidava. Contou que era muito feliz, que sua irmã a amava e que seria “médica de bebês” quando fosse adulta. E uma sensação a corroeu por dentro. O que sentir quando ela chorava enquanto possuia “tudo”? E ali estava na sua frente, o exemplo de inocência e graça de uma criança, que idolatrava as lajotas londrinas, que sorria para estranhas e passava frio, sem aparentemente reclamar ou viver chorando. Convidou-a para ir comer alguma coisa, e a menina sorrindo, aceitou e agradece. Sentaram em um banco clássico em um parque, e ficaram conversando. Ela olhava para a menina e enxergava alguém extremamente forte. A menina agradeceu, sempre sorrindo, deu-lhe um beijo na bochecha (admirou-se, não era um costume de lá), e disse que precisava ir. Ficou a seguindo com os olhos até a esquina, e ela dobrou e sumiu. Olhou ao longe e viu uma pequena árvore, de tamanho parecido com o da menina. Chamou-a Jenny. Era sua segunda perda. Não conhecia as pessoas as quais perdera. Não sabia das suas dificuldades, não explicava o que eles, aquelas poucas pessoas, representavam para ela. O que era chorar naquela hora? O que eram os seus sentimentos ali, naquele momento? Quando ela finalmente percebeu que seus problemas e suas conclusões de vida pareciam ser muito menores do que a dos outros? Como explicar aquela felicidade inesperada de um pequeno ser humano sem mãe, com frio e fome? E por tanto tempo foi cega e egoísta… E por muitos dias a sua mente se ocupava apensar em pensar em quais seriam os fundamentos de uma ação recebida de alguém… O que era agora esperar? Sentir as vozes roucas sussurrando palavras fora de consolo, e ao mesmo tempo a fazendo escrever compulsivamente, prendendo dentro de si aqueles rostos desconhecidos e sorridentes, dos quais só lembrava o nada? Exatamente nada.

Porque me encontro nas entrelinhas? “Quem é mais sentimental que eu? Eu disse e nem assim se pode evitar.”

20 de julho de 2009


O canto da porta vermelha do café estava bastante sujo, pintavam nele tons de ferrugem e algumas poeiras já de “estimação”. Agora a garçonete de cabelos ruivos já era conhecida, e lhe trazia um cappuccino levemente adoçado e muito quente, como era de seu gosto. Sorriu-lhe e deu as costas, ocupada em pegar o pano de limpar o balcão, que fugira das suas mãos por duas vezes seguidas. Seus sapatos pareciam dizer um caminho para seguir, porém seus pés apressados e embaralhados (que ela vinha notando desde que voltara a frequentar o café) demonstravam sua personalidade atrapalhada. Frequentemente via o dono do bar soltando gritos e ameaças por todo lado para os funcionários. Era gordo e tinha uma careca extremamente bem lustrada e, se não fosse pelo fato de ficar vermelho e se sacudir impacientemente, ninguém notaria a densa peruca de fios loiros que tomava sua cabeça. Apesar de vários pontos negativos que notava no dono do bar, ele sempre desejava bom dia para seus clientes, e saía resmungando, falsamente contente, para a rua pegar um táxi e ir ao mercado. Em todo esse tempo, ela continuava lá. Ele voltava com pesados sacos de papel, na sua cor escarlate e no calor que sua raiva transpirava. Ela ainda continuava ali, tomando seu café e analisando o canto escondido e acanhado da porta, como se tivesse vergonha da sua sujeira. Quando um vento arriscava-se a cruzar por baixo do vão da porta, o pó sacudia-se devagar, as partículas erguiam-se… E desciam. Repousavam. Novamente, erguiam-se e desciam… Então pediu à garçonete um papel e uma caneta, ao passo que esta saiu aos tropeços para entregar o pedido. Sentiu-se mal por pedir para a moça de cabelos ruivos voltar, mas ela foi disposta e voltou com um peso de papel, uma bonequinha em miniatura. Curvou-se na mesa e escreveu “Os cantos também precisam de vocês.”, colocou embaixo do peso delicado, juntou o cappuccino, abriu a porta tocando o tintintlar e ficou observando atráves do vidro a reação dos longos cabelos laranjas e olhos azuis.

“O pensamento é o único lugar onde ainda estamos seguros, onde nossa loucura é permitida e todos os nossos atos são inocentes.”

14 de julho de 2009


Sentia-se dolorida. Tinha acordado muito rápido e estava tonta. Mas nela ainda restava um suspiro quente, um resquício de vida humana. Enquanto aquilo existisse, ela estaria pronta para mais um dia. Um respirar cansado e profundo, que de qualquer forma, representava suas funções vitais com a mesma força de antigamente. Não se anulava e nem se diminuía, sabia da sua importância, embora ninguém pudesse demonstrá-la. Como se não bastasse, o céu mostrava um fino feixe de luz, só um. Naquele dia ela desejava mais do que nunca um raio de sol, um céu em cores e não em escala de cinza. O grande centro londrino estava cheio de pessoas indo e vindo, cartazes persuasivos com letras grandes, e nas vitrines, enormes letras expondo o comum OFF. Sua sombra era sua única seguidora, sua única admiradora, pelo fato de erguer-se imponente e possuir tons e arranjos próprios enquanto ela era apenas o sol barrado por um corpo e deveria estar aos seus pés por toda a vida. Aprendeu a amá-la. Esforçava-se para não lembrar, fechar os olhos e não ver, mas nem sempre era possível. O calor que recebia de estranhos era anulado pelo frio que encontrava quando seus dedos giravam a maçaneta da porta. Eram o par perfeito, o frio e o calor, a encenação e a vida real, a afetividade e a frieza, que se anulavam instantaneamente. Porém, ali o que realmente estava em jogo era o equilíbrio. Eles eram perfeitos, completos, e anulados. A chama e o gelo, mas não exatamente em todas suas formas. Elas não existem, e a isso chamam de utopia, porque sempre há aquele que doa mais do que recebe.

Fall for you – Secondhand Serenade.

10 de julho de 2009


E o refúgio dos seus problemas fugia de seu alcance. Era tão egoísta e arrogante que queria saber tudo, esquecendo que o importante é sentir. Se não achasse as palavras certas, como definiria as coisas? Precisava sentir, aprender a soltar suas expectativas. O que sabia é que de tanto negar suas próprias habilidades e seus talentos, já não ouvia mais a frase daqueles antigos amigos que faziam as sílabas de “Você é especial” soarem corajosas e persistentes. Nada enchergava nela mesma, os seus planos para o futuro eram tão incertos, e eram só planos, planos… Hoje e amanhã eram tão imprevisíveis quanto o seu humor. Sua euforia e sua tristeza se alternavam e chegavam no ápice. Como era dependente dos outros, mesmo inconscientemente. O frio e o escuro convidativo, pelo contrário do que se pensa, não era obscuro e inviável a sorrisos. Para ela era um momento incomparável do dia, tinha um significado igual ao de um céu azul e um sol brilhante para os outros. Não significava melancolia, significava poesia, significava fechar os olhos e sorrir, sentir o vento gelado bater no rosto e estar aquecida, significava simplesmente chorar de felicidade por presenciar uma cena única em um minuto jamais repetido num estranho segmento chamado tempo. E os dias passam e o céu muda, e a luz não se esgota nunca, pela noite ela apenas se esconde e amanhece anunciando mais um dia… Das nossas vidas. O que fazia era comandado pelo vento, ele a varria, a impulsionava, era só o vento que movia suas pernas que ficavam dia após dia mais pesadas, até chegar a porta vermelha e o letreiro azul do seu café. O que hoje vale um abraço? O que se vende? Carinhos não sinceros, sorrisos e abraços, todos comprados, e o que vale, então? Em seu passado ficavam aqueles sentimentos doloridos da falta de um abraço quando ele era pedido… Apesar de o ter ganho quando mais nova, com o passar dos anos a frequência que o recebia era menor do que antes. Sabia que isso não era falta de amor, só não conseguiam demonstrar…

"Dia,

espelho de projeto não vivido,

e contudo viver era tão flamas

na promessa dos deuses; e é tão ríspido

em meio aos oratórios já vazios

em que a alma barroca tenta confortar-se

mas só vislumbra o frio noutro frio."

Elegia, Carlos Drummond de Andrade.

9 de julho de 2009

Post perdido.


Mantém teu cigarro aceso pra acender o seguinte, acredita cegamente no amor e na vida utópica, e no silêncio só o que tu serás capaz de lembrar vão ser os fatos, talvez sem a mesma importância de antes no hoje. Não sinta a falta deles. Tu já fostes tão frio, então o seja novamente ao lembrar que quando tudo estava nas tuas mãos, a única coisa que recebiam era indiferença dos teus olhos… Mas também não finja que um dia isso foi nada pra ti.

O castelo era de areia, o cavalo branco nunca tinha existido e o príncipe tinha uma personalidade diferente dos livros. Foi aí que eu vi que não existiam os contos de fadas.

“Eu sei não é assim, mas deixa eu fingir e rir.”

6 de julho de 2009


Aonde estava transformava seus dias à razão do Carpe Diem. Associava o prazer de abrir os olhos com o dia continuamente especial e feliz. Tratava o governo com igual insignificância que era tratada, preferia seguir sua vida com seu ar poético e conquistas tão fracas – porém importantes – quanto sua solidão. Parecia mais sozinha do que seus olhos diziam… O tanto que sua vida passava de abstrato se fazia concreto nas pedras, nas flores, na humildade das sementes que traria novas árvores. Destas, a vasta copa traria a sombra, e dos vastos galhos penderiam frutos doces e matariam a fome daqueles que dela provariam… E tudo era causa da semente. Tão pequena e tão significativa. E ela o que seria em relação ao público visionário que encontrava ali? Seu particular era visto e criticado? Seus olhos e seus sentidos eram percebidos por aqueles espectadores? Era difícil dizer. Raramente encontrava um sorriso, era mais comum encontrar olhos cansados que não conseguiam absorver suas razões ou olhares pesarosos, com sentimento de pena. Não eram olhares dignos pois nem ao menos sabiam o que acontecia com ela. Como uma armadura, traçava dos pés à cabeça um sistema isolado do meio em que vivia e achava sua proteção e companhia no silêncio e nos acordes da música. No sibilar rouco dos pássaros e na singela repetição dos grilos e das cigarras… Que não via há muito tempo. Já nem lembrava do dançar das águas doces e de beleza de uma praia, tão colorida e igualmente azul, onde o horizonte era apenas uma linha que dividia os tons de azul. O tempo se mostrava agradável e receptivo, então ela decidiu sair e encontrar as folhas e a arte. Seu porte feminino esbanjava sua sensualidade, antes reprimida em seu casaco comprido e escuro. Usava uma bela blusa branca que cruzava abaixo do cós de sua calça preta, e botas brancas que faziam o barulho que tanto a encomodava. Seus cabelos estavam soltos, e devido à passagem de duas estações, estavam muito longos e chegavam na sua cintura. Levava também um lenço vermelho ao pescoço. Tão irônico ao lembrar da Guerra dos Farrapos, e momentos que refletiam em seu lenço, que por sua vez, pintava levemente seu rosto de rosado claro e trazia a bravura e o sentimento nacionalista à sua memória. E o que levaria aquele vermelho embora um dia? O homem complexo e irracional que exulta o fato de pensar além dos animais mas porta-se como tal… Que não sabe amar e coloca acima de pessoas, laços e corações a sua ambição, que derrama líquido vermelho e lágrimas salgadas e densas… (…)

2 de julho de 2009


E agora… Qual seria o tema de sua vida hoje? O sentimento de abandono ocupava seu quarto, ela se deitava e sentia um afundar do colchão ao seu lado, a tão conhecida solidão apagava a luz e sussurrava em seu ouvido palavras de dor e sua garganta começava a doer, seu coração batia descompassadamente, dentro dos seus olhos sentia o peso daquela água salgada, e adormecia. Logo ao acordar, o dia refletiu em seu humor, um céu mais claro e receptivo transformaram sua tristeza em luz e cor. O que veria hoje? O que sentiria? Faria as mesmas coisas e não acharia mais interesse ali? Saiu para fora de casa pensando no que fazer. Era certo que viver somente com uma herança como a dela era uma ambição de qualquer pessoa, abririam mão de trabalhar e viveriam facilmente com muitos confortos. Sabia que lhe faltavam conversas, sorrisos e companheirismo. Como havia sobrevivido tanto tempo sem isso? Queria falar de poemas, romances e músicas, queria que seus cinco sentidos exercessem um papel importante e contrutivo de acordo com seus pensamentos afetivos. Já era outono… Já fazia tanto tempo desde o inverno que chegara ali. E aquele outono fazia as árvores derrubarem suas folhas (belos tons de dourado) lamuriosamente, lembrando que cada uma delas era uma parte do todo. Lamentando-se, de que perdendo aos poucos, no fim já não possuía nada. O formato delas não se definia. O chão era incrivelmente bordado de laranja, amarelo e tons de outono. E as folhas caíam… E os gramados das casas estavam intactos e extremamente verdes, os portões brancos estavam alvos e as casas iguais continuavam exatamente ordenadas como antes… É, é verdade. Ninguém arriscaria uma cor azul chamativo ou rosa pink entre aquelas clássicas casas brancas muito bem distribuídas e com seu terreno milimetricamente contado. À medida de seus passos, podia distinguir ao fundo de uma casa e outra, uma família sorrindo em mais um almoço, um cachorro correndo e fazendo brincaderas com três crianças, os pais filmandos os primeiros passos de um bebê. Era uma cena de cinema.

23 de junho de 2009


E durante dias foi assim que se seguiu. O homem e seu perfume com um cheiro forte que denunciava sua personalidade (Porque ele usava um perfume diferente agora?) olhava e sorria dizendo um “Bom dia”, ou mais raramente, “Como vai?” e seus dentes alvos apareciam, seu hálito quente parecia sempre se aproximar mais um pouco do seu rosto. Porém, somente seu silêncio conseguia responder àquele homem. E aquela coragem que sempre admirava em si mesma havia sumido. Logo que saiu dali, resolveu respondê-lo. Que mal teria? Seus cachos extremamente negros estavam comportados, seus dedos volta e meia os percorria, enrolando-os e soltando como uma pequena mola. Abriu a porta do café, surpreendidamente decidida, mas a linha de sua visão percorreu paralelamente ao chão, contornou os móveis, chegou ao balcão, e só conseguiu ver uma balconista que nunca havia notado ali. Tinha olhos muito azuis que faziam um enorme contraste com seu cabelo laranja. Vestia um casaco verde limão e em seu crachá estava escrito “Sarah” com letras bastante disformes. Sorriu para ela e perguntou se desejava o de sempre. De sempre? Quem era a funcionária nova que ela não lembrava? Suas mãos suavam e sacudiam-se de cima para baixo. Concordou com um aceno de cabeça.

22 de junho de 2009


Sentou-se e pediu seu cappuccino, sem olhar para o lado. Não desejava que seus olhos tocassem os olhos dele. Assim que seu café chegou, suas mãos tocaram no copo marrom e branco descartável e ela se levantou, e notou que os olhos do homem a seguiram até a porta. Ela não ousou virar para trás. Porque diabos tinha saído logo com aquela calça? A mais velha de seu guarda-roupa? E porque ele tinha encontrado ela exatamente quando parecia que um carro tinha passado por cima dela? Ela realmente não entendia o sentido de tudo isso. Estava morrendo de vergonha de uma coisa que não precisava ter. The Used, All that I’ve got. Ouvia calmamente enquanto andava pelas ruas tomando seu café. Era tão estranho o dia ter ficado repentinamente claro e mais quente. Tirou as luvas. Seria só ela com aquela sensação? Ou seria o efeito do cappuccino aquecendo cada mínima parte do seu corpo? 3 minutos e 58 segundos depois, Blue and yellow. Não conseguia acreditar que caminhava e cantava aquela música. Buried myself alive. Sua expressão traduzia tudo, cantava como se fosse a última oportunidade na vida que tivesse (logo depois aprenderia que era necessário ter essa sensação). Sua completa desentonação a deixava tão bonita, e com o volume extremamente alto, sua voz saía como um grito. Não se sentia tão empolgada assim a um bom tempo. Seria pelo repentino encontro? E de onde vieram todas essas perguntas? Apesar de estar assustada e em partes, com um medo sem justificativa, se sentia completamente bem.

17 de junho de 2009


Doce ilusão achar que encontraria companhia e o amor verdadeiro em um lugar aonde o céu esconde o próprio azul, e o sol brilha apenas em algumas frações do dia. Gostaria de pegar um papel, naquele exato momento, e demonstrar o que sentia em relação à tudo que vinha vivendo ali. Seu passado tinha sido tão cruel, e ela lembrava vagamente do rosto daqueles que de um momento para outro deixaram de amá-la. Mas não queria que, de suas mãos, do tenro grafite cinza daquele lápis que valia menos do que o valor que ele tinha para ela, saíssem palavras que relembrassem sentimentos que ela lutara fortemente para esquecer. Mas o seu real desejo, era colocar em memórias o que sentia, e sempre quis dizer para os outros suas contradições. Mas sua mão esquerda tocava aquele objeto tão significante e tão insignificante ao mesmo tempo, que começava a tremer e aquilo que era pronto para ser transmitido, dispersava-se como pássaros ao passo de um simples movimento. Talvez um cappuccino pudesse ajudar. Suas luvas geladas cobriam seus dedos, mas era em vão. Abriu a porta envernizada, e ela agora estava pintada de vermelho. Se perguntava a quanto tempo ela estaria assim, a quanto tempo a pintura havia sido trocada e a madeira que antes era tosca, apresentava-se nova. E quando a porta fez um tintlar para anunciar sua presença, alguém sentado no balcão virou o rosto para ela, e seus hormônios liberaram adrenalina. E aos olhos dela, pareceu que toda aquela adrenalina se voltara para suas pernas, que começaram a tremer nervosamente. De súbito, fechou a porta e voltou para fora, e somente depois desse ato completamente impensado, sentia-se inteiramente infantil e corada. Abriu a porta, e desejou que aquele sininho não estivesse ali. O homem de casaco marrom escuro e lenço no pescoço virou-se para ela de novo, e sussurrou um “Bom ver você novamente”. Achava que se respondesse poderia gaguejar ou falar besteiras. Preferiu ficar calada. Era ele, o homem que estendeu a mão para ela em frente à Catedral Saint Paul, o mesmo homem que ela, por vários dias seguidos, procurava o perfume entre suas roupas e sua mão, ficando intencionalmente frustrada, sabendo que ali não havia outro cheiro senão o do seu creme de pêssego. Mas ali estava ele em sua frente, sentado, tranquilo, tomando café com suas roupas escuras, e com o mesmo ar sereno que encontrou ela a tempos atrás.

24 de maio de 2009


Pensou que seria bom materializar seus rostos e suas expressões ao longo daquela rua, pelo menos por um tempo de adaptação. Jamais imaginara que não vê-los todas as manhãs e fins de tarde, seria uma perda sem medidas. Mas é claro que com o passar dos dias, que já eram meses, ela esquecera da cor apagada dos olhos do mendigo, do relativo tamanho das pernas da baixinha, do curvar dos lábios da menininha… E eles simplesmente se extinguiram e deixaram um vazio em branco. Sabia lidar tão razoavelmente bem com a solidão, que não imaginara quanta falta sentiria das expressões cansadas, sofridas e alegres que ao passar deixavam seu cheiro tão característico… Como sempre, era sua casa que abrigava seus pensamentos e seus temperamentos, tanto ruins quanto bons. E era o seu sofá verde que gelava seus pés quando ela procurava os esquentar. E era o mesmo sofá que ela dormia quando o sono não vinha em sua cama, e o sorvete que ali comia, era o único alimento que preenchia a sensação de se sentir sozinha. Suas mãos delicadas com seus dedos finos e compridos se contraíam com frequência e procuravam um canto entre seus próprios braços cruzados para mantê-las em uma temperatura mais confortável.

21 de maio de 2009


Conseguia estar sozinha e ao mesmo tempo completa e super protegida… Por pessoas que ela nem mesmo conhecia. Aquele mendigo inválido perto da esquina da sua casa, que tinha uma fascinante habilidade com uma pequena e simples gaita de boca (razão de sua sobrevivência), aquela mulher baixinha que ia para algum lugar desconhecido por ela, que cruzava sempre com sua pressa costumeira e suas perninhas curtas mal alcançando o tamanho de seus passos, aquele homem de tão boa aparência, de mãos dadas com aquela menininha que, desde quando ela fora pra Londres, não lhe negara um tímido curvar de lábios. Aquela fração de minuto que andava e passava por eles, parecia significar um grande saldo positivo de afeição no fim do dia, justamente por não ter alguém que fizesse por ela um décimo do que recebia daqueles desconhecidos… Que não era nada além de um olhar, ou quanto mais, um “Bom dia” por terem acordado de bom humor, ou não terem passado frio a noite. Logo que acordou resolveu ir buscar o esquecido cappuccino. Mas no seu caminho, já não encontrou quem antes costumava encontrar. O mendigo fora recolhido para um abrigo. A pequena mulher, ela havia notado, cruzou com um carro. Deveria ser o fruto da sua pressa… Ou de qualquer outra coisa. E aquele homem com a menininha que era tão tentadoramente delicada e simpática, sumiu. E dali em diante, ela sabia que não poderia mais fazer seus dias por esse caminho. A falta de carinho a fez optar por vagar em outras Avenidas e ruas que levassem ao seu café com mais aconchego. Abriu a porta marrom pintada com verniz em madeira tosca, e sentou-se na mesa exatamente no canto do lugar. Era quente ali, o sol que nascia a leste conseguia passar seu calor através daquele vidro, e ela conseguia senti-lo perfeitamente bem. Preferia ficar ali do que voltar e não ver aqueles que a traziam segurança… Não queria acreditar na sua primeira perda… A perda daqueles quatro rostos apenas conhecidos.

15 de maio de 2009


Quando o dia resolveu pintar o céu com suas cores mais escuras, a noite trouxe estrelas e nuvens pesadas, que consumiam aos poucos o brilho da lua. Aquela parte menos privilegiada pela iluminação pública, que recebia casais e amigos com mais afeto do que o grande centro iluminado, recebeu-a para olhar a luz se esvaindo da porção cinza que fazia parte de seus dias. Grande parte dela, tomada pelo frio, queria voltar pra casa e deitar, como sempre fazia. Mas a outra parte ansiava por ficar ali, mesmo que o frio consumisse todo seu ar quente. Devagar, muito devagar, suas pernas foram curvando inconscientemente, seus braços abraçaram seus joelhos, e seus olhos percorreram um círculo perfeito, procurando seus pontos de referências estelares. Aquelas pequenas gostas acumuladas ao longo do dia, eram grandes nuvens pesadas, que agora já tinham consumido a lua e as estrelas. E de uma maneira graciosa, levemente pintavam sua roupa de molhado. Agora, seus olhos desfocavam de céu para chuva. Levantou sua mão e a estendeu, e na palma dela, uma poça se formou. Apesar de estar totalmente molhada devido a um ficar um longo tempo ali, levou à boca e bebeu. Lembrava que fazia isso quando era menor, no chuveiro. O gosto não era o mesmo segundo ela, por isso qualquer água era digna de ser provada. Aquela água tinha um gosto mais doce, um gosto completamente diferente da sua água infantil, e da sua água cotidiana. Quando seus músculos já doíam e seus braços estavam completamente gelados, sabia que era a hora de ir. Levantando-se devagar, ergueu os braços e balançou a cabeça para os lados, tentando parecer mais relaxada do que quando sentara ali. Conseguia olhar por fora, e imaginava o pensamento de quem a via, exatamente como fez quando passou nas vitrines naquela tarde. Extinguiu seus pensamentos, e foi para casa. Seu salto fazia um barulho cômico, na água pelas ruas. Não era a situação apropriada, mas ele insistia em fazer seus lábios sorrirem.

8 de maio de 2009


E mais um dia havia se passado no seu mundo pequeno. Seus olhos cor de bronze e suas bochechas rosadas lembravam uma boneca de porcelana, clássica, de pele branca como papel, mãos delicadas e intocáveis, e aquele dia sentia-se mais espontânea do que nos dias anteriores. De fato, o dia amanhecera um pouco mais quente e sua temperatura corporal insistia em refletir suas variações em suas pequeninas maçãs faciais. Lembrava que devido à onda de seus pensamentos terem tomado outros rumos nos últimos dias, seu cappuccino havia sido deixado de lado. Seu cachecol enrolava seu pescoço, com seu cheiro de perfume floral. Balançando-o e juntando-o ao seu corpo, seu perfume se espalhava pelo ar e aquecia sua respiração, diminuindo a fumaça que saia de sua boca que tanto lhe encantava, devido ao frio típico da estação. Ah, como aquele frio fazia bem. Sabia também que ele não cessaria enquanto a natureza estivesse perfeitamente em ordem, e saber que todos os dias teriam aquele gosto de inverno, aquele tempero frio que fazia sua vida aquecer, a fazia sorrir. Com aquele mesmo sorriso que ela não perdeu e nem perderia por medo de sorrir… Seu mp4 tocava Kings of Leon. Fazia tanto tempo que não ouvia aquele som tão delicioso… Passava pelas vitrines e fazia questão de olhá-las, se admirando e vendo a maneira como caminhava, e confessando suas loucuras internamente por saber que do lado de dentro das lojas, se questionavam e perguntavam qual era o problema da mulher que seguia seus olhos de ponta à ponta do vidro.