26 de outubro de 2010

Ela pegou o caderninho de palavras bonitas e o colocou no lixo. Superficialidade já não era mais o seu forte e tudo aquilo que há tanto tempo havia escondido e guardado, achando que os olhos de tantas cores e de tantas Avenidas jamais enxergariam, apareceu fazendo-se destacar mais do que seu próprio sorriso. E aí, então, ninguém mais enxergava aquela mulher morena de cachecol vermelho. Todos enxergavam os cabelos crespos balançando e contando histórias do seu passado. Se vissem os olhos negros, só enxergariam a diferença tentando se manifestar. Vivia de sensações e era impulsionada pelas mesmas. Usava os extremos e, desse modo, diminuía-se a cada dia que passava. Tinha o sonho em mãos e acordava ao lado do cappuccino que sempre desejou acordar. Dessa maneira, sorriu para os olhos verdes e vestiu o casaco logo cedo. Ela podia ficar o dia todo olhando aquele sorriso... Abriu a porta devagar, em silêncio, olhou para os lados e o vento cortante a fez lacrimejar. Seu lábios estavam secos e sem cor, seus cílios escuros e longos enroscavam-se em alguns cachos que, devido ao vento, ficavam teimosamente pousando sobre seu rosto. Desejava intensamente que aquilo fosse o certo, porém, sabia que seus exageros sentimentais não a deixariam descansar enquanto a porta não fosse aberta novamente. Sentiu vontade de chorar por não poder ver aqueles olhos de novo... Mas, assim quis que fosse.

29 de junho de 2010

Com tudo completo, intocável, ela era a única coisa que havia restado do sonho. O único elemento que outrora era fundamental hoje fazia parte de uma realidade qualquer. E de tanto passarem os dias, a realidade escorria por seus dedos finos de unhas compridas, não permitindo que outros sonhos crescessem e nem que o primeiro deles fosse aproveitado. De minuto em minuto, folheava um velho jornal amarelado, o primeiro jornal que havia comprado, tão sem necessidade para ela quando o noticiário que assistia todas as manhãs sem entender. Perdida em devaneios, aproveitava cada segundo sozinha dentro do quarto. Sabia que na sala haveria Lennon, cuidando seu rosto delicadamente através dos seus óculos pequenos, que na rua haveria os desconhecidos, só cruzando por ela, e sempre haveria uma criança pra ceder um sorriso de bom dia.
"O mundo todo é hostil..."

15 de junho de 2010


O frio parecia constante. As músicas traziam nostalgia, regressos de memórias tão sólidas que não teriam sublimação com nenhum tipo de calor. As composições e as letras lembravam coisas que não voltariam, como palavras e simpatias. E a cada dia que passava, mesmo tendo olhos verdes junto dela, faltavam pedaços de pessoas tão importantes quanto ele. Era aquele anjo do tempo bom que deixava as coisas sempre voando, flutuando. Assim que, de leve, caíssem no chão os pensamentos ou as verdades, ela acordava e sabia que ali o mundo era tão real quanto contos de fadas. Fechava os olhos e esperava encontrar um passado mais presente (cheio de muito mais). E quando procurava as letras, tudo fugia dela. Qualquer maior sentimento que procurava expressar, era confiscado das mãos e parava em algum lugarzinho apagado e sem luz dentro de si. Lá dentro ele era processado por muito tempo, enquanto do lado de fora seus olhos faziam exposição de saudade.

18 de maio de 2010

O dia estava mais escuro. As horas se arrastaram e quando o céu foi desbotando suas cores noturnas, seus olhos foram de encontro a outros. Já acreditava que de tanto caminhar, era mais do que hora de bater seus olhos em olhos de pupilas vivas, pulsantes. E foram neles que encontrou o inesperado. Eles eram verdes, muito embora parecessem de um escuro mais exótico, e eram convidativos. A mulher londrina passou devagar a mão pelos cabelos negros e deu um sorriso embaraçoso, cheio de disfarces. Quem era ele? A princípio parecia alguém tão sem procuras, sem objetivos, que deixar-se enganar pelos olhos e pelos lábios era pura inocência, uma inocência pura. E dos lábios dos dois nasceram sorrisos pequenos, apertados. Dentes deixaram-se esconder pela timidez e pela simplicidade do momento. Nenhum dos dois falaria nada. Nenhum dos dois se olharia mais do que apenas alguns segundos, segundos miseráveis comparados ao tamanho da pulsação que os dois sentiam. Ela apertava as mãos na fuga dos seus próprios pensamentos. Seus olhos estavam alagados pelo frio e faziam um poço perolado, liso e admirável. Foi quando notou que ele desviava sua atenção para inúmeros lugares mas que, no fim, já estava observando a moça de cabelos cor de petróleo, que sorria para ele. O acaso age quando sente necessidade. Ela sabia disso. Há sempre mais no acaso do que no planejado. Há sempre muito mais em se deixar levar do que contar grãos de areia pra construir um castelo. No fim, ela sabia que podia contar com a ajuda do vento não calculado pra erguer torres com o passar do tempo.

11 de maio de 2010

Dias comuns. O vento soprava mediocremente lufadas frias para quebrar o quente que nascia levemente. O café se mantinha na mesma temperatura, na mesma intensidade, na mesma mesa tosca e na mesma cadeira. A única coisa diferente era o fluxo de pensamentos que aparecia a cada cinco minutos. Eles tomavam todo espaço vago, todo aquele espaço não ocupado pela distração de tomar o café observando o dono do bar careca e seus insultos. Faixas contínuas de preocupação e de tristeza martelavam seu subconsciente, torturando, pingando devagar. Um bom método de fazer acordar para a vida, pensou. Nessas palavras, com esses pingos lentos, um a um, alagando a área mais profunda e mais sentimental da moça de grandes olhos escuros de Londres. Naquele dia os mesmo estavam marejados, piedosos, desejosos. Estavam diferente daquele negror habitual. De certa forma, pediam abrigo. Clamavam a alguém, mesmo que desconhecido, para uma troca de olhares afetuosos. Então, sentada no café, contava sua respiração. Brincava com a fumaça que saía aquecida da boca com o frio do lugar mal ambientado. Já tinha pensado em trocar de café, mas o lugar pouco lembrado e solitário a atraía como um ímã. Não queria mais ser egoísta da sua própria companhia, mas aquilo a saciava de tal maneira que os olhares afetuosos que implorava através das ruas gélidas tornavam-se infinitamente pequenos. Não sabia mais como se doar e já não o queria mais. Só observava, reunia traços e rostos, nariz e sobrancelha e passava para o papel. Transmitia a arte de sentir. Não era de ferro, era muito mais de vermelho, de sensações. Era carnal e meiga, risonha e triste, tímida e extrovertida. Dela brotavam enormes ramos de contradições.

10 de abril de 2010

Quando o desconhecido já não aparecia, seus desejos em relação a um futuro com alguém como ele se esvaíam como fumaça de um cigarro. Aquela que, a princípio, faz bem a que traga o cigarro, mal a quem está presente, observando a situação de fora e, aos poucos, aquela mesma fumaça consome todo o ar puro, levando o fôlego embora. E daí ela vai sumindo devagar, deixando somente um cheiro, ou mais uma vontade. E o sabor nunca provado ficava na boca como uma criança deseja um doce. Os olhos já líquidos, chamavam alguém misteriosamente. O desconhecido realmente sumira de sua vida, e ela, anulada diante de tanta impotência frente ao seu sentimentalismo, deixou de procurá-lo. O lápis deslizava e os olhos negros procuravam razões na calçada para sorrir. E dali retirava vontade o suficiente para viver e para acenar a Lennon em todas as manhãs frias.

27 de março de 2010

Era como se fosse invisível. Sentada na frente de sua casa em uma manhã, sentia-se como se não estivesse ali. Quem a via não imaginava que dia era aquele, que hora significativa era aquela e quão era especial à ela sentir o vento gelado da manhã batendo no rosto, queimando devagarinho, como um sopro leve. O caminho de pedras indicava o portão que, por sua vez, a levava pelas Avenidas frias e quentes ao mesmo tempo, pintando contradições simpáticas no seu rosto fino e exótico. Mas o vento foi ficando mais e mais gelado... E então voltou para casa, trancou a porta e sentou no sofá. Lá estava de novo, sozinha... Sem a companhia tão desejada dos desconhecidos de Londres.

23 de março de 2010

Quando fechava os olhos, já assistia as estrelas. Quando os abria, já era uma típica manhã gelada. Levantar devagar não dava uma sensação de segurança, mas o fazia porque precisava acostumar a visão ao claro extremo que a janela expunha. Aquela luz a machucava logo cedo, mas com o passar das horas ela já não era incômoda, pois os olhos acostumavam. Era assim que seu sistema, como um todo, funcionava. O susto e a dor depois de um tempo criavam um espaço satisfatório e faziam com que se acostumasse com a situação. E aí a luz ia embora, e os olhos novamente perdiam o costume à claridade. Então ela voltava... E recomeçava tudo novamente. Era uma coisa completamente inevitável... Mais forte que ela. Como poderia lutar com uma força natural? Um instinto, uma sobrevivência? Novamente, era inevitável.

15 de março de 2010

Seu pensamento ultimamente estava alternado. Era complicado se definir, como em todas as outras situações. Sentia que podia conquistar qualquer coisa, ou nada. As coisas que antes aconteciam eram mais fortes. Um sentimento de carência misturado com uma felicidade própria sobressaltavam através de seus olhos. Das suas lembranças, o mais doce ficava pra açucarar a boca... Pra deixar o sabor, a vontade. Foi buscar mais um cappuccino. Talvez encontrasse novamente o desconhecido, mas sabia que não era tão fácil. De qualquer maneira, havia o encontrado em lugares tão alternativos que não imaginava o porquê de não encontrá-lo coincidentemente. Como sempre havia apesares, não possuía vontade de vê-lo. Seria, de alguma maneira, difícil de entrar em uma casa vazia e fria quando o calor que desejava que a aquecesse ficava do lado de fora da porta, Avenidas distante, conversando com pessoas inimagináveis ou correndo atrás do tempo. Contradições. Já sentia que a sua sustentação não aguentaria por muito tempo. Nunca foi boa estruturalmente, ainda mais quando se tratava de lidar com assuntos delicados e importantes. Sabia que superaria porque era o que sempre acontecia quando menos esperava. Porém, sabia que demoraria e que um dia voltaria.

12 de fevereiro de 2010

Os dias passavam incrivelmente lentos. Já não sabia quantas estações haviam deixado suas marcas. O gosto doce que o céu cinza trazia parecia esgotar-se. As horas pareciam sempre as mesmas, e o prazer de buscar um cappuccino tornava-se nulo. O que outrora havia representado tanta vida deixava-se sumir. Lennon parecia cansado, triste. Seu sofá verde já não tinha o poder de acolher suas lágrimas, e sua filosofia já não a deixava tão contente quanto antes. Mas apesar de tantas controvérsias, brotou-lhe um sorriso sem explicação. O caso é que sempre fora indecisa. Era apenas mais um de seus momentos próprios e inconfundíveis. Para quê querer mais do muito? O seu maior sonho estava realizado. Mas o que havia acima disso? Pura ilusão achar que conquistar um sonho é ir além de tudo. Nem sempre sorrir pra estampar uma máscara permanente no rosto demonstra o quão contente se está com o modo de viver. E ela sentia-se perfeitamente compatível com esse pensamento. Questionava-se o porquê de tanta negação, já que nunca exigira nada impossível da vida que possuía. Só então conseguiu entender que justamente por não exigir nada de si mesma, não conseguiu conquistar aquilo que possuía potencial para conquistar. Incerta, confusa. Porém, sã. De tantas questões que nunca foram respondidas com argumentos concretos, achava que ao menos a si mesma merecia sua lucidez.

18 de janeiro de 2010

Os dias eram lentos. De vez em quando, seus olhos negros avistavam pássaros no céu. De fato, era raro. Quando isso acontecia, ficava paralisada, tentando entender como o leve das asas poderia ser tão fascinante. E foi em um desses momentos, quando sentia-se sem alma, quando entender ia além do seu pequeno mundo, que o homem de Saint Paul apareceu. E ele veio em direção a ela, com um sorriso inconfundível nos lábios, mostrando o brilho dos seus dentes perfeitos, que as asas incríveis que batiam acima do rosto dela não passavam de asas. E os pássaros não passavam de míseros pássaros. Era a teoria da anulação. Bastava que aquele rosto tão bem desenhado se apresentasse aos olhos, que o resto não era nada além de uma imaginação para apresentar-se fascinante. A análise daquele rosto, agora, era muito mais importante do que os pássaros. É claro que, quando o rosto fosse cruzar por outras pessoas – tão encantadas por aquele sorriso quanto ela – e a deixasse ali, parada, sem rumo, os pássaros seriam novamente o alvo do negror daqueles olhos profundos. E ele aproximou-se, desviou o olhar, com medo que aqueles grandes olhos da moça pudessem encantá-lo para sempre, e sorriu, assistindo o espetáculo do céu transformando-se em tons de vermelho. Ela mantinha-se incoerente. Olhava pro seu rosto com uma expressão indefinida. Ela queria senti-lo antes que ele simplesmente virasse e fosse embora. Então fitava-o continuamente. Foi quando seus olhos se encontraram, e repentinamente, ele sussurrou “Bom te ver novamente” e foi embora. Foi como se um pedaço do seu chão fosse tirado. E ali o seguiu, até que sumisse entre as árvores do parque pouco iluminado. Virou-se e procurou os pássaros, mas não os achou. Então, embora começasse a fazer um frio incomum, decidiu ficar um pouco mais ali. Talvez o tempo pudesse trazê-lo de volta. Era questão de acontecer quando menos esperasse. E ali, ela contava as horas e as situações, o imaginando chegar.