30 de setembro de 2009


Sentou-se no café. Sua fumaça fazia os contornos do seu rosto, exatamente como um sonho que teve há muito tempo atrás, em Saint Paul. O quente queimava seus lábios, sua pele sentia o sentido do café descendo em sua garganta, era a justificativa de seu nervosismo a consumindo. Porque todos que sempre a tiveram a jogaram fora, como simples papéis, uma conta de supermercado, um bilhete de geladeira. Não saberia o quão valiosos poderiam ser, por isso em sua caixinha guardava até uma pequena embalagem de um remédio. Era o caso que, quando o via, se reportava ao antigo. Mas as pessoas sempre eram frias e, as que não eram, tinham um sentimentalismo tão exagerado que não viam nada além do que quisessem. Não existia meio termo. Ou o papel ficaria na geladeira para sempre, ou iria ao lixo junto com tantas outras coisas. Mas aí o sentimental vai se questionar se valerá mesmo o custo de manter no mínimo dois quartos abarrotados de botões e capas de cd’s quebrados que, por exemplo, lembram uma saia destituída do seu completo e um descuido por estar ao lado de alguém especial. E aí tanto cuidado com objetos pessoais acabar se tornando maçante ou prazeroso, e é claro que o maçante, ao se desfazer de tudo, vai se tornar um frio por não guardar mais datas ou um desinteressado em um passado bom. O prazeroso vai ser taxado de louco por guardar coisas que para os frios são chamadas de “lixo sem valor”. Mas entre frios, sentimentais, maçantes e compulsivos, há uma data (sempre há ao menos uma) que nunca será esquecida e um papel ou um pequeno fruto em um pequeno saco que jamais irá ao lixo.

26 de setembro de 2009


Levantou-se calmamente para ver o clima do seu novo dia, e alegrou-se por sentir mais um dia típico de Londres. Só que esse dia era primaveril. Buscou lá no fundo do seu armário surrado uma calça vermelha e preta e vestiu-a. Depois colocou uma blusa e um casaco que alcançava seus joelhos, ambos pretos. Achou o seu lenço vermelho e o amarrou ao pescoço. Como em outros dias, os seus cabelos estavam ondulados, porém, no seu lugar costumeiro. Já estava farta de pensar em sentimentos. Se fumasse, provavelmente já teria acendido ao menos uma carteira de cigarros para controlar sua ansiedade sem origem nem objetivo. Se fumasse mas quisesse parar, tinha a certeza que teria uma recaída. Mas, ah… Aí estava a notícia boa: ela não fumava. Uma preocupação a menos, enfim. Só que ela ainda possuia uma dependência cuja abstinência já estava a deixando elétrica. Precisava do seu cappuccino. Não sabia como as pessoas poderiam não gostar de café. Até o aroma parecia em partes satisfatório da sede. Passou pela sala e deu uma piscadinha para o grande quadro envelhecido de John Lennon em sua parede. Foi até a cozinha e preparou um café para mais tarde comprar seu cappuccino. No mínimo quatro xícaras por dia, sim senhor. Sentou-se na sala e ligou a televisão para que sua cabeça não escutasse nada na sua casa vazia. E ali estava Lennon a fitando através dos pequenos óculos redondos de aro fino e cantando devagar ao seu ouvido “She loves you, yeah yeah yeah…”. Ela não pôde deixar de sorrir à visão desse pensamento. Jogou um beijo de sua mão espalmada à Lennon e chaveou a porta. Andando por aí, como na maioria das vezes, indo ao Café e depois saindo sem rumo, encontrou a árvore que havia chamado de Jenny. A árvore que antes era pequena e comum estava enorme e, na primavera, com grandes flores violetas. Então ficou imaginando onde andaria a simples garotinha sonhadora a qual ela tinha criado uma simpatia imensurável. Seja pela familiarização que possuía aos sonhos ou ao fato de ser sonhadora como a pequena, ou pela vontade de protegê-la, possuía um enorme desejo de reencontrá-la e vê-la sorrir, querendo ver um vãozinho nos seus dentes da frente, a perda do primeiro dentinho de leite, que ela nem ao menos sabia se já havia ocorrido.

23 de setembro de 2009


Da sua infância bem vivida, lembra em partes do medo do seu quarto e de carinhos paternos. E logo relembrou de outra sucessão de fatos. Era pequena, já não lembrava mais sua idade exata e também achava um detalhe dispensável. Seu maior espelho era sua mãe. Não que hoje fosse diferente, mas quando pequena, em sua sociedade limitada à quatro paredes da sua casa, sua mãe era realmente uma princesa, sereia e outras rainhas de contos de fadas. Logo que cresceu um pouco, ganhou uma pequenina sandália com duas tirinhas. O pequeno salto a deixava orgulhosa de pensar em ser como sua mãe um dia. Saiu pela rua, aquela rua de pedras e poeira, para poder mostrar a importância da frase da sua mãe, “Que linda, já é uma mocinha”. Como criança, sempre pensando em ser mulher, começou a correr, sem lembrar das tirinhas e do pequeno salto. Depois disso, além das vagas lembranças, tem a recordação do colo quente do seu pai e das mãos cuidadosas da sua mãe fazendo curativos nos seus joelhos e em uma das suas mãos. A sua pequena sandália tinha arrebentado e, na sua mente, ser “mocinha” já não era mais possível. Como sentia saudade da sua inocência infantil, e sabia que esse tipo de inocência não era presente nas pequenas “mocinhas” de hoje.

17 de setembro de 2009


Sua família não estava mais ali, já não assistia mais o rosto dos seus pais, das pessoas a quem desejava. No íntimo, sabia que estava sozinha e queria que tudo isso fosse fruto da sua imaginação, um fruto amargo, azedo, mas um fruto benéfico. Ali ela pesaria o tamanho dos seus benefícios e o tamanho da solidão que em dias mais fechados a perguia sem sentido. Então, enfim, chegava à conclusão de que o mundo em que vivia era puramente seu, que cada um era pleno em seu próprio espaço, porém, a maioria das pessoas buscava a felicidade no “clichê” humano, e essas que viviam assim, pensavam sem falar, julgavam em seus pensamento distante o jeito do frio (de ambos sentidos) da vida dela.

12 de setembro de 2009


Logo que entrou em casa, sentiu o delicioso perfume floral. Ela sentia o gosto do ar doce, e ao olhar pro lado, avistou seu cachecol vermelho. Era dali que o cheiro se propagava. Sentou-se devagar. Então vieram aquelas cenas, uma a uma. O dia era cinza, naquele cinza costumeiro e dono de uma perfeição incomparável. Existiam duas coisas além do mesmo céu. Existiam gotinhas minúsculas que caíam pintando seus fios de cabelo escuro. O frio era habitual, não era de tanta importância como a chuva fraca. Era nublado também, escuro. Mas o que a fazia lembrar de tudo isso era a outra coisa que até ali não fazia parte do seu espaço clássico e sentimental. Era alguém. Ela lembrava que a partir daquele dia chuvoso aquele alguém fora por muito tempo uma espécie de razão de viver. Era o seu primeiro namorado. Foi quando ela abriu os olhos e viu que as cenas se passaram em um sonho. Ela estava com frio, as horas tinham se passado em uma velocidade incalculável. Tudo continuava intocado, da mesma maneira que antes. Somente o tempo não tinha parado, incessante, sufocante. Hoje ela era mulher, parecia ter uma vida de fábulas, de poemas, uma vida tratante e corriqueira, parecia falsa. Mas ela sabia que era real, muito além de um beliscão no braço que chame do sonho à vida. Concomitantemente com sua vida adolescente, podia jurar com precisão as recordações das noites mal dormidas e de uma agenda escolar que, ao contrário de anotações de provas, guardava palavras intensas. Como era confortante estar ali, deitada no escuro, no sofá da sala. Apesar do frio, ela estava no macio de Londres. Levantou e não ousou ligar a luz, foi até o banheiro e tomou um banho quente, depois deitou-se novamente e abriu uma antiga caixa que guardava seus sonhos irreais. Ali ela encontrou coisas que não lembrava, e depois de passar os olhos devagar, percebeu que não queria vê-las naquela hora, e a fechou.

8 de setembro de 2009


Sentada em frente ao noticiário pouco entendido, ela balançava freneticamente uma das pernas cruzadas. Sentia-se nervosa, mas sem um motivo aparente. Remoía palavras ditas e não ditas de seu passado. Típico da sua personalidade, aquela dificuldade de superação e aquele baú cerrado de uma poeira doentia, de uma poeira viciosa. Metáforas à parte, ela já sabia que passado não mudava. Por quanto tempo desviou seu foco por uma decepção? Logo, pensou no desconhecido de Saint Paul. Ele não aparecera mais, ela nunca mais o encontrou. Talvez ele fosse significativo e ela não tinha ideia. Seus pensamentos eram duvidosos e aquele dia se tornava mais triste, se julgava mal, porém, continuava a se julgar, continuava a pensar que cada um que conquistasse, da menor das maneiras, viraria as costas para ela. Então lembrou de tudo que já havia passado, de todas palavras que um dia já conseguiram, por um momento, demonstrar um resquício de vida. Mas ela sabia viver. Ela era muito sensível, mas também era muito forte. Eram só fases, ruins ou boas, logo que saísse o sol, sem aquecer, só para ceder um pouco de luz entre as nuvens escuras, ela sabia que se sentiria melhor. O sol passaria entre aquelas construções góticas, antigas, se dissiparia entre alguns vitrais coloridos encontrados em algumas casas rústicas, esbarraria nas poças, na umidade das paredes e pedras… E iria refletir no seu rosto, nas suas maçãs faciais.

4 de setembro de 2009


Abriu os olhos devagar, e ficou deitada na cama macia, esperando o resto da escuridão acalmar seus olhos. Devagar virou-se, encostou o ouvido no travesseiro e espalhou as pernas através de toda a cama procurando um canto gelado. De repente aquele calor que ela sentiu a noite toda exigia um lugar frio. Logo que achou, repousou seus pés devagar e os músculos que estavam contraídos agora estava relaxados. Então ela ouviu seu coração. Cada mínima batida, o compasso, a marcha lenta que fazia continuar ali. Ela conseguia ouvir perfeitamente a diminuição do ritmo quando sua respiração não estava mais ofegante. Subitamente, as batidas lentas lembraram da sua infância. Era aquela casa pequena, feita de madeira, que por dentro possuía divisórias de madeira clara, os quartos eram pequenos e uma beliche ficava no pequenino cômodo central, que tinha acesso à cozinha e à sala. Seus lençóis eram pintados de dança, um homem e uma mulher, que vestia um vestido longo, dançavam da cabeçeira aos pés da cama. Além disso, vários espaços eram pintados por listras em azul e amarelo. Seus olhos relembraram tudo isso. As batidas puxaram seus pensamentos. Era ela, com seus 9 anos de idade, sentindo-se incomodada como hoje em ouvir seu coração. As luzes apagaram e seu rostinho infantil e pacífico virou para a divisória da parede, aonde havia uma estrelinha que brilhava no escuro, como uma mini companheira. Seus rosto colado ali, em um espaço milimétrico, fazia sua respiração soar mais alta. Naquele canto frequentado por ela todas as noites de sua infância, encontrava um lugar seguro. Seu medo de criança, de monstros embaixo da cama, era denunciado pela proteção que sentia quando se isolava do restante da cama. Sentia também a mão de sua mãe tocar seus braços pequenos e frágeis, para trazê-la ao meio da cama, mas a relutância era tanta que, no fim, sua mãe a deixava com um beijo e um “Dorme com Deus e com os anjinhos” e resolvia ir deitar. Só que hoje ela dormia virada para o corredor, sem medo. Todavia, sentia falta de dormir no canto da parede, se isso significasse um beijo antes de dormir todas as noites.