26 de novembro de 2009

Eram aqueles detalhes invisíveis aos olhos cegos dos outros que a faziam lembrar que eles mesmos faziam a diferença. Quando aquela cerca viva tomando conta da parede de uma casa fosse cortada, o que ela perceberia ali seria somente mais uma parede escura, antes branca, pela ação da chuva, dos ventos, da poeira e do esquecimento. É que ela talvez não enxergasse o bonito no comum. Ou talvez o comum pudesse ser bonito, como os versos que trazia de Carlos Drummond de Andrade, o qual provava que a poesia poderia ser feita até mesmo de uma pedra, e ela poderia traduzir em úmida, solitária, rígida... E ela seria significativa para alguém, sempre existe alguém. É a antiga teoria do chinelo velho para um pé torto. Mesmo que não fosse alguém, seria uma causa, uma ideia, um sentido qualquer. Porque o sentimento de reciprocidade dava a ela segurança, como se recebesse algo por aquilo que doava. Obviamente, não fazia sentido, não recebia nada. Isso por muito tempo doeu a ela... É que hoje era mulher, sabia que as decepções, tanto de amor quanto de qualquer outra espécie, eram inevitáveis e não eram o temido fim do mundo. Sempre haveria mais e mais, pra fazer se ocupar com a presente e esquecer a passada, mesmo que da pior maneira. Mas só de andar por aquelas ruas... Sentindo aqueles ares, procurando em rostos algum já conhecido, comprando seu cappuccino e voltando para casa sempre da mesma maneira, sentia que jamais fora tão feliz em sua vida. Era o cinza, que sempre chamava pelos seus olhos.

17 de novembro de 2009


Entre aquelas velharias que não tinham serventia, encontrava-se uma velha foto. Nos anos, o tempo havia desgastado seus cantos, os pequenos animais haviam feito mínimos buracos ao longo de todo o rosto de bebê que ali se encontrava. Era confuso olhar cada pedaço e recordar exatamente do que se tratava. Porque antigamente aquela mesma foto em tons apagados devido ao advento de novas máquinas, teria um valor inestimável e a faria possuir sentimentos. Hoje já não sentia mais isso. Estava apagada. Então, devagar, soltou a foto na mesa do hall e foi até o café, buscar o cappuccino. A garçonete ruiva estava lá, derrubando seus panos e anotando pedidos. E para sua surpresa, o homem de Saint Paul estava sentado ao balcão, conversando com o dono mal humorado do bar. Entre suas mãos, jornais, notícias atuais, fotos e tragédias. Sem sentido, pensou. Sem reflexões também. Afinal, pensar em tantos problemas antrópicos a deixava mal. Pegou o cappuccino e não se atreveu a olhar para o homem da catedral. Ele a fizera pensar por muito tempo em alguém que a aquecesse no ar frio de Londres, e preferia não ter que relembrar que fora em partes ignorada. Virou, abriu a porta, saiu pelas ruas ouvindo sua música, entrou em casa depois de ter passado pelo velho caminho de pedras, e pegou a foto velha. Sabia o que deveria fazer.