31 de agosto de 2009


O que é mais puro e perfeito que os olhos? As câmeras não conseguem capturar o que se vê ao lado deles. E como elas capturariam cada balanço delicado daquelas árvores de poucas e ralas folhas londrinas? E como capturariam também um momento pré-sono tão singelo e calmo e o som daquela música ou do silêncio? Do farfalhar das folhas secas caídas, se espalhando e se arrastando pelo chão molhado de pessoas infiéis, medrosas, corajosas, sentimentais e frustradas… Se a melodia era outra, as palavras saíam confusas e em uma desordem não habitual. E ela estava ali, tentando fotografar coisas que sua percepção conseguia assimilar e que jamais veria de novo. Tentava se explicar, justificar a si mesma, que não voltaria mais naquele lugar com aquela música e com aquele cheiro, e tentava também não se culpar por não ter isso de volta. Viver daquela maneira parecia aos olhos dos outros vazia e seca, mas o que ela queria mostrar era o modo de se viver, completamente estranho e, de qualquer jeito, feliz. Era como se viver. Quem lhe falava do céu tão colorido e criticava seu céu puramente cinza com tons avermelhados, achava que chorar era humilhante sem saber que crescia ao mesmo tempo, dizia também que era um modo difícil de sorrir. Mas ela sabia, sim, que poderia sorrir enquanto o frio estivesse ali. O que queria era encontrar alguém, precisava de alguém que pudesse abraçá-la, que sentisse como ela se sentia em frente ao frio, e desejasse o calor que ela desejava. Então, desesperadamente, pensou em voltar. Voltar de onde tinha saído. Não queria deixa seu céu. Queria abraçá-lo, queria tê-lo para sempre, queria aquele cenário até o fim dos seus dias. Era aquele cenário, aquela devoção cega, aquela utopia.

26 de agosto de 2009


O que ela fazia dali em diante? E ao considerar a expressão “em vão” lembrava-se de um passado não tão remoto e ainda não superado. Apesar das suas perdas serem relativamente pequenas e insignificantes para qualquer outra pessoa não tão observadora e sensível como ela, ela sentia um grande vazio pela ausência deles. Mas o que era hoje relembrar? Talvez um ou outro guardaria o sorriso sereno e receptivo dela de todas as manhãs, provavelmente esse seria o mendigo, o mais humilde deles e, na opinião dela, o mais carente de carinho. O homem de mãos dadas com a menina nem a notava no caminho, tamanha era a pressa que a maleta e o terno escuro dele traziam. Já a menina poderia esquecê-la ao ganhar um abraço caloroso da mãe, da tia, da família… Ou não. Ela nunca saberia, e a rua que hoje enfrentava era deserta e calma. Ela estava sentindo mais frio que o comum. Vestia o seu antigo e surrado cachecol vermelho que ainda guardava o cheiro do seu perfume floral. Sabia descrever cada milésimo de segundo dos seus movimentos. Ela já não era mais tão delicada, essa leveza se alternava com seus momentos mais frios e ela não sabia definir uma razão ou um pensamento fixo. Ali sentia-se fria e muito cética. Queria não imaginar que se sentia mal em um lugar onde não fazia nada além de comprar um cappuccino em um bar velho e não tinha nenhum tipo de relação com pessoa alguma, e que, sem dúvida, sentia muita falta disso e isso a incomodava.

17 de agosto de 2009


Saiu para fora de casa, o verde de seu caminho de pedras estava salpicado pelas gostas da chuva da noite. Duas pequenas poças estavam ao lado da sua flor mais bonita, que apesar de gostar tanto da sua beleza, não sabia seu nome. A poça à sua esquerda refletia sua imagem distorcida. O vento batia na água e formava leves ondas. As gostas de chuva que restaram nas folhas das árvores iam caindo, e de cada pingo desses, ondas compassadas iam aumentando proporcionalmente. Em um instante que fitou o seu rosto, já não o via mais. Só conseguia enxergar o céu nublado e escuro. Levantando a cabeça, conseguia ver além da cerca vizinha, duas crianças sentadas com as pernas cruzadas, como jovens mocinhas falando de namorados. Que irônico… Lembrava de uma situação que passara dias atrás. Em um banco estavam duas meninas, eram pequenas e tinham uma bolsa cada uma, e olhos pintados. Passados curtos minutos, dois meninos chegaram, sentaram ao lado delas e sairam de mãos dadas. Então, ela se perguntava qual seria a razão mais forte que a fez desistir da infância e das panelas na cozinha rosa em miniatura. As antiguidades e aquilo que antes era considerado caretice, hoje denunciava a falta de brincadeiras no quintal das casas. Que ironia. Logo ela, que vivera cada instante da sua infância, via duas pequenas meninas daquela maneira. Desviou os olhos delas e correu-os novamente para a poça. Ela ainda estava ali, com sua imagem desfocada e disforme, só que dessa vez, havia algumas folhas boiando nela.

14 de agosto de 2009


Ela aprendeu a não caminhar de cabeça baixa, onde só enxergava seus pés, e sim com o rosto erguido para olhar todos como seus iguais. Demorou muito, mas também aprendeu a todo custo que decepções eram inevitáveis e extremamente dolorosas, aquela dor não doída, que fica na garganta por tempo indeterminado até que se esqueça dela. No tanto que andava sozinha ali, não avaliava mais a mente humana, pois sabia que conhecimento limitado só limitava suas expectativas. Surpresas a consumiam e a sua frase a respeito de choros era a velha “Não sei”. Mas no fundo sempre soubera e sempre saberia, bastam motivos para se sentir triste e lágrimas dispostas a cair que sua armadura estava ali, ocultando a parte sensível e secreta de si. Decepções são inevitáveis, ilusões são inevitáveis. Olhos fechados por um instante são um perigo. Perder muito tempo ou pessoas pode ser muito frustrante. E ela sabia disso.