23 de junho de 2009


E durante dias foi assim que se seguiu. O homem e seu perfume com um cheiro forte que denunciava sua personalidade (Porque ele usava um perfume diferente agora?) olhava e sorria dizendo um “Bom dia”, ou mais raramente, “Como vai?” e seus dentes alvos apareciam, seu hálito quente parecia sempre se aproximar mais um pouco do seu rosto. Porém, somente seu silêncio conseguia responder àquele homem. E aquela coragem que sempre admirava em si mesma havia sumido. Logo que saiu dali, resolveu respondê-lo. Que mal teria? Seus cachos extremamente negros estavam comportados, seus dedos volta e meia os percorria, enrolando-os e soltando como uma pequena mola. Abriu a porta do café, surpreendidamente decidida, mas a linha de sua visão percorreu paralelamente ao chão, contornou os móveis, chegou ao balcão, e só conseguiu ver uma balconista que nunca havia notado ali. Tinha olhos muito azuis que faziam um enorme contraste com seu cabelo laranja. Vestia um casaco verde limão e em seu crachá estava escrito “Sarah” com letras bastante disformes. Sorriu para ela e perguntou se desejava o de sempre. De sempre? Quem era a funcionária nova que ela não lembrava? Suas mãos suavam e sacudiam-se de cima para baixo. Concordou com um aceno de cabeça.

22 de junho de 2009


Sentou-se e pediu seu cappuccino, sem olhar para o lado. Não desejava que seus olhos tocassem os olhos dele. Assim que seu café chegou, suas mãos tocaram no copo marrom e branco descartável e ela se levantou, e notou que os olhos do homem a seguiram até a porta. Ela não ousou virar para trás. Porque diabos tinha saído logo com aquela calça? A mais velha de seu guarda-roupa? E porque ele tinha encontrado ela exatamente quando parecia que um carro tinha passado por cima dela? Ela realmente não entendia o sentido de tudo isso. Estava morrendo de vergonha de uma coisa que não precisava ter. The Used, All that I’ve got. Ouvia calmamente enquanto andava pelas ruas tomando seu café. Era tão estranho o dia ter ficado repentinamente claro e mais quente. Tirou as luvas. Seria só ela com aquela sensação? Ou seria o efeito do cappuccino aquecendo cada mínima parte do seu corpo? 3 minutos e 58 segundos depois, Blue and yellow. Não conseguia acreditar que caminhava e cantava aquela música. Buried myself alive. Sua expressão traduzia tudo, cantava como se fosse a última oportunidade na vida que tivesse (logo depois aprenderia que era necessário ter essa sensação). Sua completa desentonação a deixava tão bonita, e com o volume extremamente alto, sua voz saía como um grito. Não se sentia tão empolgada assim a um bom tempo. Seria pelo repentino encontro? E de onde vieram todas essas perguntas? Apesar de estar assustada e em partes, com um medo sem justificativa, se sentia completamente bem.

17 de junho de 2009


Doce ilusão achar que encontraria companhia e o amor verdadeiro em um lugar aonde o céu esconde o próprio azul, e o sol brilha apenas em algumas frações do dia. Gostaria de pegar um papel, naquele exato momento, e demonstrar o que sentia em relação à tudo que vinha vivendo ali. Seu passado tinha sido tão cruel, e ela lembrava vagamente do rosto daqueles que de um momento para outro deixaram de amá-la. Mas não queria que, de suas mãos, do tenro grafite cinza daquele lápis que valia menos do que o valor que ele tinha para ela, saíssem palavras que relembrassem sentimentos que ela lutara fortemente para esquecer. Mas o seu real desejo, era colocar em memórias o que sentia, e sempre quis dizer para os outros suas contradições. Mas sua mão esquerda tocava aquele objeto tão significante e tão insignificante ao mesmo tempo, que começava a tremer e aquilo que era pronto para ser transmitido, dispersava-se como pássaros ao passo de um simples movimento. Talvez um cappuccino pudesse ajudar. Suas luvas geladas cobriam seus dedos, mas era em vão. Abriu a porta envernizada, e ela agora estava pintada de vermelho. Se perguntava a quanto tempo ela estaria assim, a quanto tempo a pintura havia sido trocada e a madeira que antes era tosca, apresentava-se nova. E quando a porta fez um tintlar para anunciar sua presença, alguém sentado no balcão virou o rosto para ela, e seus hormônios liberaram adrenalina. E aos olhos dela, pareceu que toda aquela adrenalina se voltara para suas pernas, que começaram a tremer nervosamente. De súbito, fechou a porta e voltou para fora, e somente depois desse ato completamente impensado, sentia-se inteiramente infantil e corada. Abriu a porta, e desejou que aquele sininho não estivesse ali. O homem de casaco marrom escuro e lenço no pescoço virou-se para ela de novo, e sussurrou um “Bom ver você novamente”. Achava que se respondesse poderia gaguejar ou falar besteiras. Preferiu ficar calada. Era ele, o homem que estendeu a mão para ela em frente à Catedral Saint Paul, o mesmo homem que ela, por vários dias seguidos, procurava o perfume entre suas roupas e sua mão, ficando intencionalmente frustrada, sabendo que ali não havia outro cheiro senão o do seu creme de pêssego. Mas ali estava ele em sua frente, sentado, tranquilo, tomando café com suas roupas escuras, e com o mesmo ar sereno que encontrou ela a tempos atrás.