24 de maio de 2009


Pensou que seria bom materializar seus rostos e suas expressões ao longo daquela rua, pelo menos por um tempo de adaptação. Jamais imaginara que não vê-los todas as manhãs e fins de tarde, seria uma perda sem medidas. Mas é claro que com o passar dos dias, que já eram meses, ela esquecera da cor apagada dos olhos do mendigo, do relativo tamanho das pernas da baixinha, do curvar dos lábios da menininha… E eles simplesmente se extinguiram e deixaram um vazio em branco. Sabia lidar tão razoavelmente bem com a solidão, que não imaginara quanta falta sentiria das expressões cansadas, sofridas e alegres que ao passar deixavam seu cheiro tão característico… Como sempre, era sua casa que abrigava seus pensamentos e seus temperamentos, tanto ruins quanto bons. E era o seu sofá verde que gelava seus pés quando ela procurava os esquentar. E era o mesmo sofá que ela dormia quando o sono não vinha em sua cama, e o sorvete que ali comia, era o único alimento que preenchia a sensação de se sentir sozinha. Suas mãos delicadas com seus dedos finos e compridos se contraíam com frequência e procuravam um canto entre seus próprios braços cruzados para mantê-las em uma temperatura mais confortável.

21 de maio de 2009


Conseguia estar sozinha e ao mesmo tempo completa e super protegida… Por pessoas que ela nem mesmo conhecia. Aquele mendigo inválido perto da esquina da sua casa, que tinha uma fascinante habilidade com uma pequena e simples gaita de boca (razão de sua sobrevivência), aquela mulher baixinha que ia para algum lugar desconhecido por ela, que cruzava sempre com sua pressa costumeira e suas perninhas curtas mal alcançando o tamanho de seus passos, aquele homem de tão boa aparência, de mãos dadas com aquela menininha que, desde quando ela fora pra Londres, não lhe negara um tímido curvar de lábios. Aquela fração de minuto que andava e passava por eles, parecia significar um grande saldo positivo de afeição no fim do dia, justamente por não ter alguém que fizesse por ela um décimo do que recebia daqueles desconhecidos… Que não era nada além de um olhar, ou quanto mais, um “Bom dia” por terem acordado de bom humor, ou não terem passado frio a noite. Logo que acordou resolveu ir buscar o esquecido cappuccino. Mas no seu caminho, já não encontrou quem antes costumava encontrar. O mendigo fora recolhido para um abrigo. A pequena mulher, ela havia notado, cruzou com um carro. Deveria ser o fruto da sua pressa… Ou de qualquer outra coisa. E aquele homem com a menininha que era tão tentadoramente delicada e simpática, sumiu. E dali em diante, ela sabia que não poderia mais fazer seus dias por esse caminho. A falta de carinho a fez optar por vagar em outras Avenidas e ruas que levassem ao seu café com mais aconchego. Abriu a porta marrom pintada com verniz em madeira tosca, e sentou-se na mesa exatamente no canto do lugar. Era quente ali, o sol que nascia a leste conseguia passar seu calor através daquele vidro, e ela conseguia senti-lo perfeitamente bem. Preferia ficar ali do que voltar e não ver aqueles que a traziam segurança… Não queria acreditar na sua primeira perda… A perda daqueles quatro rostos apenas conhecidos.

15 de maio de 2009


Quando o dia resolveu pintar o céu com suas cores mais escuras, a noite trouxe estrelas e nuvens pesadas, que consumiam aos poucos o brilho da lua. Aquela parte menos privilegiada pela iluminação pública, que recebia casais e amigos com mais afeto do que o grande centro iluminado, recebeu-a para olhar a luz se esvaindo da porção cinza que fazia parte de seus dias. Grande parte dela, tomada pelo frio, queria voltar pra casa e deitar, como sempre fazia. Mas a outra parte ansiava por ficar ali, mesmo que o frio consumisse todo seu ar quente. Devagar, muito devagar, suas pernas foram curvando inconscientemente, seus braços abraçaram seus joelhos, e seus olhos percorreram um círculo perfeito, procurando seus pontos de referências estelares. Aquelas pequenas gostas acumuladas ao longo do dia, eram grandes nuvens pesadas, que agora já tinham consumido a lua e as estrelas. E de uma maneira graciosa, levemente pintavam sua roupa de molhado. Agora, seus olhos desfocavam de céu para chuva. Levantou sua mão e a estendeu, e na palma dela, uma poça se formou. Apesar de estar totalmente molhada devido a um ficar um longo tempo ali, levou à boca e bebeu. Lembrava que fazia isso quando era menor, no chuveiro. O gosto não era o mesmo segundo ela, por isso qualquer água era digna de ser provada. Aquela água tinha um gosto mais doce, um gosto completamente diferente da sua água infantil, e da sua água cotidiana. Quando seus músculos já doíam e seus braços estavam completamente gelados, sabia que era a hora de ir. Levantando-se devagar, ergueu os braços e balançou a cabeça para os lados, tentando parecer mais relaxada do que quando sentara ali. Conseguia olhar por fora, e imaginava o pensamento de quem a via, exatamente como fez quando passou nas vitrines naquela tarde. Extinguiu seus pensamentos, e foi para casa. Seu salto fazia um barulho cômico, na água pelas ruas. Não era a situação apropriada, mas ele insistia em fazer seus lábios sorrirem.

8 de maio de 2009


E mais um dia havia se passado no seu mundo pequeno. Seus olhos cor de bronze e suas bochechas rosadas lembravam uma boneca de porcelana, clássica, de pele branca como papel, mãos delicadas e intocáveis, e aquele dia sentia-se mais espontânea do que nos dias anteriores. De fato, o dia amanhecera um pouco mais quente e sua temperatura corporal insistia em refletir suas variações em suas pequeninas maçãs faciais. Lembrava que devido à onda de seus pensamentos terem tomado outros rumos nos últimos dias, seu cappuccino havia sido deixado de lado. Seu cachecol enrolava seu pescoço, com seu cheiro de perfume floral. Balançando-o e juntando-o ao seu corpo, seu perfume se espalhava pelo ar e aquecia sua respiração, diminuindo a fumaça que saia de sua boca que tanto lhe encantava, devido ao frio típico da estação. Ah, como aquele frio fazia bem. Sabia também que ele não cessaria enquanto a natureza estivesse perfeitamente em ordem, e saber que todos os dias teriam aquele gosto de inverno, aquele tempero frio que fazia sua vida aquecer, a fazia sorrir. Com aquele mesmo sorriso que ela não perdeu e nem perderia por medo de sorrir… Seu mp4 tocava Kings of Leon. Fazia tanto tempo que não ouvia aquele som tão delicioso… Passava pelas vitrines e fazia questão de olhá-las, se admirando e vendo a maneira como caminhava, e confessando suas loucuras internamente por saber que do lado de dentro das lojas, se questionavam e perguntavam qual era o problema da mulher que seguia seus olhos de ponta à ponta do vidro.

6 de maio de 2009


Se recusava a possuir a mesma vida de antigamente. Se as notas encaminham um som, se a hora, na sua simples forma e sua humilde continuidade, transforma um momento qualquer em significativo e em uma importante lembrança... Porque deveria fechar os olhos e aceitar que suas mãos não conseguem simplesmente refletir seus atos? Sua defesa estava instável, qualquer coisa naquele momento, ela sentia, poderia ser prejudicial. Chorar não era seu forte. Quanto mais lamentar por oportunidades e sonhos perdidos. E seu cérebro trabalhava contra seu sistema, seu pensamento oscilava entre achar que tinha jogado seu sentimento no chão e o esmagado, e entre coordenar seus passos através da sua vida cansada de amar. Foi nesse momento, sentada dentro de sua casa (que jamais aquecia pela inutilidade da lareira), no seu tão desejado sofá verde, que começou a enxergar mais além do que já tinha vivido. Sorriu sem medo de perder esse poder de sorrir, colocou suas mãos nos cabelos e suavemente fez o contorno de seu braço. Afastou o cabelo dos olhos, impulsionou-se com suas mãos espalmadas, e levantou. E dali em diante, resolveu não acreditar no amor. Parecia frio e cruel, mas ia custar a acreditar em uma vida que não se completa com alguém, que não parte da teoria da metade da laranja. Seu pensamento não esquecia, não diluia as imagens. A nevasca que antes era leve e não passava da calçada, agora tomava proporções maiores e aquele branco transparente com gosto de frio, agora era um branco gélido, com gosto de saudade. E ela, no mais profundo sonho, ainda possuia o desejo de amar.