15 de abril de 2009


Logo que acordou, relembrou os fatos anteriores. Sentou-se na cama, colocou as mãos no rosto, cruzou as pernas, e balançando uma delas freneticamente, tentou despertar. Não conseguia tomar seu café da manhã, nada parecia lhe fazer bem, contornou a mesa e seguiu para a sala, ligando a televisão no noticíario. Seu sistema emocional ficara abalado e ela sabia que não querer olhar para o passado seria a pior solução. Levantou-se, colocou seu casaco e sua blusa mais quente, e voltou àquele mesma rua do outro dia, aquela mesma rua que horas antes era um lugar estranho e indiferente, e que agora se tornava um lugar completamente palpável pelos seus sentidos humanos. Lugdate Hill. Saint Paul. E o desconhecido. Não ter conhecimento de absolutamente nada do que passa em si mesma doía, era uma espécie de tortura a corroendo por dentro, e à ele, tinha consciência que nada daquilo tinha tamanha importância… E assim tudo tomava um caminho. Já naquele lugar, sentou-se, e novamente olhou para seu céu, sua pupila em dilatação com a claridade que cega, e nada aconteceu. Nem mesmo uma folha havia caído como no dia anterior. Só então se deu conta de que o mais fascinante de tudo, jamais iria se repetir. Fechou os olhos, inspirou profundamente, e sentiu aquele velho e doce cheiro do inverno. Apalpou o chão que pisava sem sentir, e ali encontrou a terra que tanto sonhava, sem ao menos lembrar.

Abriu o pequeno portão e seguiu pelo caminho de pedras soltas. Sentiu aquele clic tão conhecido da sua porta, e empurrou-a. Procurou algumas lenhas e foi para a lareira, tentando fazer um fogo que nunca antes havia tentado. Depois de muitas tentativas, decidiu que seria melhor ir dormir, uma vez que não conseguia fazer seu corpo ficar quente. E aquela noite havia sido completamente fora de seus padrões. Imaginava alguém tão perto de si mesma para trocar beijos e abraços e sentia-se mal, por não querer e não encontrar alguém que a fizesse feliz. Passava seus dedos lentamente pela cholcha antiga de fios macios, mexia compulsivamente seus pés gelados a procura de algum canto um pouco mais quente, e suas meias verdes faziam grande contraste com seu lençol vermelho, como um fruto verde em vários frutos maduros. Seus cabelos desciam através do travesseiro, compridos e escuros, e faziam curvas através de seus ombros. Era dona de uma beleza inimaginável, porém de uma notoriedade mínima. Sempre quisera saber porque era tão ignorada por todos, e jamais imaginara razão aparente para isso. Fechou suas pálpebras devagar, e sorriu. Não havia sido um dia como os outros. Não havia sido um dia comum.

14 de abril de 2009


Não poderia fingir, porque sabia que não era natural. Acreditava em conservação das espécies, apenas nisso. Teorias de atração somente para reprodução, um sentimento tão banal quanto qualquer outro programa de televisão no domingo. Mas no fim, custou a acreditar que o foco de seu dia tinha acontecido em função daquele homem. Nem ao menos sabia quem era e seu pensamento científico apontava para ‘GRANDE PERIGO’ quando pensava que poderia estar perdida em seu próprio sistema nervoso. Quando tomou conta de si mesma, decidiu voltar para casa, sentia seu corpo dolorido e o vento fazia seus olhos derramarem lágrimas involuntárias. Não conseguia sentir seus pés e seus braços tomaram forma ao se cruzar em torno de seu tórax, procurando o calor humano que lhe faltava.

E foi logo ao levantar, que sua percepção sentiu algo que estava além da grande Catedral. Ele era completamente normal, apenas mais um que se movia como a rotina que impulsionava todos, porém, foi nele que ela viu alguma coisa diferente do comum. Sem tempo para seus sentidos organizarem o turbilhão de pensamentos que estavam tomando seu subconsciente, ele dirigiu-se à ela e ofereceu sua mão. Tão delicada quanto plumas. Ela a aceitou e levantou-se, procurando o cachecol. Ele o entregou à ela, e em um gesto cordial, beijou sua mão e suavemente foi se afastando e dando às costas, seguindo como antes, àquele fluxo indefinível de pessoas caminhando e procurando um espaço para continuar. E ali parada, ela se sentia completamente invísivel depois do que acontecera.

13 de abril de 2009


Limitou-se a olhar o noticiário, mais por hábito do que por vontade, tentando entender o inglês britânico com suas poucas palavras primitivas, e fez com que seu pensamento recorresse às ruas de Londres e chegasse exatamente em Lugdate Hill , na Catedral Saint Paul. Como à ela encanta a arquitetura medieval… O período em que o clássico era o belo… Como seus olhos refletem plenitude e complexidade ao tocar em um lugar como esse! Decide levantar e ir até lá. E naquelas ruas encontrou pessoas indiferentes umas às outras, naquelas mesmas ruas encontrou verdades e olhares não tão sinceros. Nessas mesmas, encontrou coisas que ninguém enxergava, somente ela, que por ser tão perceptiva, consegue sentir. E naquele mesmo café que saira a minutos atrás, entrou e comprou seu cappuccino que agora se tornara uma espécie de vício, e seguiu para seu destino. Como jamais imaginaria que faria um dia, sentou-se na frente da catedral com as pernas entrelaçadas, e paralelamente à pressa alheia de todos, viu a fumaça de sua boca naquele frio gélido misturar-se ao seu céu cinza… Aquele céu que tanto admirava. Aquele que mesmo céu que a tempos atrás era apenas o sonho de seus olhos. Sua retina explodia em êxtase, sua pupila em frequente contração à claridade não desenhava as nuvens, apenas seguia aquele contorno reto que sempre via. E todo mundo repentinamente passou a notá-la. Foi necessário sentar naquele chão, com aquele cappuccino em mãos, suas vestes em baixo de si mesma em uma tentativa frustrada de proteção ao vento cortante, para observarem a sua existência. E ali ficou por horas seguidas, apenas olhando, até seus olhos acostumarem com a dor da claridade, até seus olhos acostumarem com a escuridão da noite.

E até quem me vê lendo o jornal na fila do pão sabe que eu te encontrei.


Seus cabelos negros e ondulados absorviam o frio do fim de tarde Londrino. Sentia suas mãos frias, e ocupava-se em pegar as luvas em sua bolsa. Entrara no mesmo café que freqüentava todos os dias no início da tarde e de lá só saíra quando o céu, outrora cinza, tornava-se mais escuro. O relógio de parede marcava 19 horas, e sabia que precisava ir. Carregava consigo seu casaco longo de lã batida, seu cachecol vermelho e um cappuccino. Protegeu o rosto do vento e continuou caminhando em uma Avenida, sozinha. Sonhou em mais uma vez encontrar aquele que um dia foi o grande amor da sua vida, e ao som de seus passos, compôs um ritmo doce que lhe trazia inúmeras lembranças. Chegou àquela casa escura, pequena e de portões clássicos, acompanhou o sentido das pedras que faziam um caminho até sua entrada, e sentiu o clique da porta. Entrou, olhou para o hall e soltou a chave em uma mesa. Inspirou o ar suave e intenso que havia naquele cubículo e teve segurança de que realmente, ali era seu lugar.