21 de dezembro de 2009

Eram folhas amareladas. Para dar um tom mais clássico, havia queimado levemente as suas pontas. Que tipo de autor queimaria as pontas de folhas amareladas? Não era um drama. Era um conto de fada, daqueles com finais felizes. Pelo conforto que ele trazia a cada página folheada, era feito exatamente sob medida para àquelas situações. Talvez o autor se importasse com o sentimento do leitor mais do que o esperado, ou só quisesse fazer aquilo pra deixar mais bonito. Não importava. Levantou-se e foi até a janela ver se o tempo estava ao seu favor e, fitando Lennon, decidiu caminhar. Guardou o livro no maior bolso do casaco e suas bordas queimadas ficaram para fora, dando um ar de extremamente decididas. Imaginou que não seria possível ficar muito tempo fora de casa, sentia-se vagamente perdida longe das suas paredes e do seu chão. O negro dos seus cabelos fazia par com seus lábios vermelhos, e seus grandes olhos escuros marcavam profundamente o seu rosto. O cappuccino que comprara estava tão quente quanto gostava, e seu perfume floral exalava cada vez que passava por alguém, fazendo todos, em sequência, virarem os olhares ao seu encontro. Sentou-se no primeiro banco que havia livre. Sentia-se melhor quando não havia ninguém olhando. Tirou o livro do bolso, que dessa vez parecia muito menor, pois não abrigava nem metade do livro que antes só possuía algumas pontas de folhas para fora, e na sua contra-capa havia um esboço de um desenho. Entre várias linhas, identificou duas pessoas abraçadas, como se o último dia de sua vida fosse aquele, e não existisse amor maior que o representado ali.

6 de dezembro de 2009

Queria de alguma maneira tentar explicar porque as músicas refletiam dentro de si mesma. Eram elas que faziam suas lembranças voltar, eram elas que inspiravam e que deixavam em seu interior um grito preso, um pedaço de recordação trancado na garganta, versos desejosos de voz, até mesmo lágrimas, o ápice de seus sentimentos. Não queria deixar os dias irem sem um sentido. Eram as antigas e clássicas contradições, que moviam as horas em um ritmo cansativo. Suas paredes chamavam alguém, até mesmo Lennon sabia que ela precisava de um complemento, e não sua metade. Não poderia se anular. O seu sofá verde mostrava que além dela, mais alguém deveria sentar-se ali, e ocupar o lugar das almofadas amarelas e laranjas com franjinhas que trouxera da casa da pessoa que a guardava em baixo das asas. O espaço vazio do sofá procurava ocupar com controles da televisão, e coisas tão supérfluas, que no lugar de substituir alguém, só a fazia lembrar mais que o lugar deveria ser ocupado. Mas não queria achar ninguém. A razão que por muito tempo procurava em sua vida, já havia sido descoberta. O céu que deliciava seus olhos, a porção escura e antiga da cidade, as praças convidativas que conhecia, os cappuccinos do café de portas vermelhas, os livros, as músicas. Tudo isso era sua felicidade, que não imaginava como alguém pudesse fazê-la, ou trazê-la. O homem de Saint Paul estava muito ausente, tal como seu perfume no cachecol. Ela só não queria depender de ninguém, não queria depender de um sentimento que amanhã poderia não existir. “Does anybody else in here, feel the way I do?”