E o refúgio dos seus problemas fugia de seu alcance. Era tão egoísta e arrogante que queria saber tudo, esquecendo que o importante é sentir. Se não achasse as palavras certas, como definiria as coisas? Precisava sentir, aprender a soltar suas expectativas. O que sabia é que de tanto negar suas próprias habilidades e seus talentos, já não ouvia mais a frase daqueles antigos amigos que faziam as sílabas de “Você é especial” soarem corajosas e persistentes. Nada enchergava nela mesma, os seus planos para o futuro eram tão incertos, e eram só planos, planos… Hoje e amanhã eram tão imprevisíveis quanto o seu humor. Sua euforia e sua tristeza se alternavam e chegavam no ápice. Como era dependente dos outros, mesmo inconscientemente. O frio e o escuro convidativo, pelo contrário do que se pensa, não era obscuro e inviável a sorrisos. Para ela era um momento incomparável do dia, tinha um significado igual ao de um céu azul e um sol brilhante para os outros. Não significava melancolia, significava poesia, significava fechar os olhos e sorrir, sentir o vento gelado bater no rosto e estar aquecida, significava simplesmente chorar de felicidade por presenciar uma cena única em um minuto jamais repetido num estranho segmento chamado tempo. E os dias passam e o céu muda, e a luz não se esgota nunca, pela noite ela apenas se esconde e amanhece anunciando mais um dia… Das nossas vidas. O que fazia era comandado pelo vento, ele a varria, a impulsionava, era só o vento que movia suas pernas que ficavam dia após dia mais pesadas, até chegar a porta vermelha e o letreiro azul do seu café. O que hoje vale um abraço? O que se vende? Carinhos não sinceros, sorrisos e abraços, todos comprados, e o que vale, então? Em seu passado ficavam aqueles sentimentos doloridos da falta de um abraço quando ele era pedido… Apesar de o ter ganho quando mais nova, com o passar dos anos a frequência que o recebia era menor do que antes. Sabia que isso não era falta de amor, só não conseguiam demonstrar…
"Dia,
espelho de projeto não vivido,
e contudo viver era tão flamas
na promessa dos deuses; e é tão ríspido
em meio aos oratórios já vazios
em que a alma barroca tenta confortar-se
mas só vislumbra o frio noutro frio."
Elegia, Carlos Drummond de Andrade.