
Como o esperado, a garçonete pegou o papel, leu, e ficou olhando para os lados, como se uma pedrinha amarrada em outro papel fosse cair em sua cabeça. Chegou a olhar para o teto. A mulher do lado de fora riu. Ela riu. Parecia tão estúpida rindo solitariamente ali fora… Foi para casa, pela outra Avenida, claro, o mendigo e seus outros “companheiros” haviam sumido… E naquele caminho se sentia mais segura, pois ali não tinha ninguém, absolutamente ninguém, então não perderia o afeto conquistado (até porque o seu saldo antigamente positivo hoje estava zerado). O outono parecia se estender e os dias não passavam, eram como longos minutos, talvez doloridos ou não. O seu maior sonho era estar ali e estava o realizando, o que faltaria? De alguma maneira, sempre tão cheia de pessoas e com a atenção de quem admirava voltada para ela, a solidão e estar sozinha a confortava. Sentar com muita gente ao seu redor e preferir sentir o vento gelado batendo em seu rosto quente, era muito melhor do que saber que o vento barrava e ficava naquelas pessoas. Sentia-se tão fria. Tão inocente, olhou para seus pés e começou a pular as lajotas brancas, não poderia pisar nas linhas. Porém, seu all star insistia em deixar sua ponta pisar as linhas. Foi andando assim por uns 100 metros, que encontrou uma menininha fazendo o mesmo. Ela estava sozinha e com um ralo casaco rosa. Imaginava se não estava com frio. Baixou a cabeça e continuou pisando nas lajotas escuras, foi quando ouviu um “Você pisou!” em um inglês de vozinha fina, delicada e infantil, saindo da boca da menininha. Perguntou se a menina não estava com frio, e ela respondeu que não tinha outros casacos, que não via sua mãe desde pequena e que sua irmã dois anos mais velha era quem a cuidava. Contou que era muito feliz, que sua irmã a amava e que seria “médica de bebês” quando fosse adulta. E uma sensação a corroeu por dentro. O que sentir quando ela chorava enquanto possuia “tudo”? E ali estava na sua frente, o exemplo de inocência e graça de uma criança, que idolatrava as lajotas londrinas, que sorria para estranhas e passava frio, sem aparentemente reclamar ou viver chorando. Convidou-a para ir comer alguma coisa, e a menina sorrindo, aceitou e agradece. Sentaram em um banco clássico em um parque, e ficaram conversando. Ela olhava para a menina e enxergava alguém extremamente forte. A menina agradeceu, sempre sorrindo, deu-lhe um beijo na bochecha (admirou-se, não era um costume de lá), e disse que precisava ir. Ficou a seguindo com os olhos até a esquina, e ela dobrou e sumiu. Olhou ao longe e viu uma pequena árvore, de tamanho parecido com o da menina. Chamou-a Jenny. Era sua segunda perda. Não conhecia as pessoas as quais perdera. Não sabia das suas dificuldades, não explicava o que eles, aquelas poucas pessoas, representavam para ela. O que era chorar naquela hora? O que eram os seus sentimentos ali, naquele momento? Quando ela finalmente percebeu que seus problemas e suas conclusões de vida pareciam ser muito menores do que a dos outros? Como explicar aquela felicidade inesperada de um pequeno ser humano sem mãe, com frio e fome? E por tanto tempo foi cega e egoísta… E por muitos dias a sua mente se ocupava apensar em pensar em quais seriam os fundamentos de uma ação recebida de alguém… O que era agora esperar? Sentir as vozes roucas sussurrando palavras fora de consolo, e ao mesmo tempo a fazendo escrever compulsivamente, prendendo dentro de si aqueles rostos desconhecidos e sorridentes, dos quais só lembrava o nada? Exatamente nada.
Porque me encontro nas entrelinhas? “Quem é mais sentimental que eu? Eu disse e nem assim se pode evitar.”