21 de dezembro de 2009
6 de dezembro de 2009
26 de novembro de 2009
17 de novembro de 2009

Entre aquelas velharias que não tinham serventia, encontrava-se uma velha foto. Nos anos, o tempo havia desgastado seus cantos, os pequenos animais haviam feito mínimos buracos ao longo de todo o rosto de bebê que ali se encontrava. Era confuso olhar cada pedaço e recordar exatamente do que se tratava. Porque antigamente aquela mesma foto em tons apagados devido ao advento de novas máquinas, teria um valor inestimável e a faria possuir sentimentos. Hoje já não sentia mais isso. Estava apagada. Então, devagar, soltou a foto na mesa do hall e foi até o café, buscar o cappuccino. A garçonete ruiva estava lá, derrubando seus panos e anotando pedidos. E para sua surpresa, o homem de Saint Paul estava sentado ao balcão, conversando com o dono mal humorado do bar. Entre suas mãos, jornais, notícias atuais, fotos e tragédias. Sem sentido, pensou. Sem reflexões também. Afinal, pensar em tantos problemas antrópicos a deixava mal. Pegou o cappuccino e não se atreveu a olhar para o homem da catedral. Ele a fizera pensar por muito tempo em alguém que a aquecesse no ar frio de Londres, e preferia não ter que relembrar que fora em partes ignorada. Virou, abriu a porta, saiu pelas ruas ouvindo sua música, entrou em casa depois de ter passado pelo velho caminho de pedras, e pegou a foto velha. Sabia o que deveria fazer.
17 de outubro de 2009

Partimos do pressuposto de Adão e Eva. Certamente mantemos nossas dúvidas se a maçã nos condenou a seres pensantes, se era nosso “destino” ou se ela realmente existiu. E é claro que tudo isso nos leva novamente a questionamentos e loucuras datadas desde antigamente.
Então, pode-se supor que havia mesmo uma maçã ou que houve a ruptura do núcleo de um átomo, pois chegaríamos ao mesmo objetivo: nós. E que não haja nem religião nem ciência que predomine sobre minha conclusão.
Se estivéssemos nus, fazendo colheitas em plantações de subsistência e nossos maridos caçando para a janta, poderíamos não ter tecnologia ou qualquer coisa tão habitual ao nosso alcance que não sentiríamos falta, afinal, não saberíamos de sua existência. Poderíamos evoluir aos poucos, mantendo nossas classes sociais de acordo com a aldeia, tendo nossas diferenças não tão acentuadas como as perceptíveis atualmente.
Aí entra o papel do fascinante homem em partes desastrado. Mas não é pra ser uma história cômica. Do caminho das Índias ele fez um grande desvio e acabou encontrando a América. É claro que na época era considerado um descobrimento e Colombo ficou com a glória de encontrar uma nova civilização. O que foi descartado dessa história talvez fosse importante, ou não. Essa é a nossa história, a história de um povo que já lutou contra o Império, a ditadura. Se fosse diferente, poderíamos desenhar vários outros caminhos até chegarmos no melhor. O problema é: como saberíamos chegar até ele?
Da ambição chegamos à maçã, e da ambição também chegamos à teoria dos átomos e até onde a vantagem de ser pensante nos levou.
Então, se ocorresse progresso no continente que segundo os livros já era evoluído, um dia nos achariam e a colônia de exploração seria iminente. Tamanhos recursos encontrados aqui seriam atrativos demais para ser deixado passar em branco. E assim, seu desenvolvimento seria muito maior do que à época que nos colonizaram.
De tudo isso, vem a força de vontade de sobrevivência, que fez o homem se adaptar inconscientemente a tudo que vinha passando. Suas necessidades o faziam se adaptar, e essa constante mudança, felizmente ou infelizmente, ninguém é capaz de afirmar sem prós e contras, o fez ficar cada vez mais próximo dos sete pecados. Evidentemente, esses foram ditados também. Ainda existem aqueles que sofrem o medo de cometê-los.
As organizações de sociedades antigas, sem o advento do comércio, indústria ou qualquer outro tipo de atividade que envolvesse sistemas sociais, eram beneficiárias igualmente. Então se fala da utopia, pois desde os antigos, não houve jamais uma sociedade sem diferenças sociais ou raciais. Mesmo dentro de famílias nota-se uma posição patriarcal dos pais sobre os filhos, sobretudo o homem, que desde o princípio era considerado o chefe de família.
Então até hoje me pergunto: se essa maçã existia, Adão e Eva foram tão ambiciosos a ponto de prová-la e fazermos andar vestidos, pensando e julgando (até mesmo mal) tudo que nos contradiz e não nos favorece. Agora, se ocorreu a explosão dos átomos, julgo a mim mesma incapaz de julgar alguém, porque não existia Adão e Eva de acordo com a teoria da evolução. Consideremos Adão e Eva nossos antecedentes e nossos iguais e nos espelhemos neles para nos tornarmos tão ambiciosos que mal conseguimos enxergar além de nós mesmos e, quando conseguimos, não nos movemos para alcançar a mão ao nosso semelhante.
7 de outubro de 2009

De fato, sentir saudades era dolorido. É claro que era uma das coisas mais comuns encontradas no emocional de alguém. O dia estava ensolarado, e ela viu novamente a sua sombra cruzando paredes e pedras disformemente. Lá estava ela aos seus pés, representando a única coisa que não era menor que ela, e sim “alguém” que a idolatrava por nunca possuir a cor e o privilégio da vida. No resto, só tinha uma coisa a fazer: segui-la. Incessantemente. Até que o sol se pusesse, e a escuridão chegasse fazendo ela se unir à outras sombras que possuíssem o mesmo sentimento de inferioridade. Como ela já tinha observado há muito tempo atrás, tinha uma simpatia com sua sombra. Se parecia como uma amiga, pois a seguia até mesmo pelos caminhos mais tortuosos… E no escuro, quando achava que já não a via mais, descobria que a escuridão era uma grande aliada. Como alguém a disse um dia: “Os momentos e sentimentos são vividos aos extremos pelos poetas.”. Ela achava mais do que necessário possuir a solidão como um conforto e um incômodo. Paralelamente às antíteses, sentia-se confusa, frequentemente acordava e apenas observava a janela à sua frente, assistindo o tempo passar, ouvindo os segundos irem embora a cada tique compassado do seu relógio de cabeceira. Talvez fosse fácil e simples assim, não fazer o tempo valer a pena, e sim apenas deixá-lo passar. Depois de arrastados minutos, sua parede áspera e verde limão, nada condizente com o andar clássico abaixo de seu quarto, a chamou. Ela voltou à si mesma. Precisava levantar, desejar “Bom dia” à Lennon e buscar o seu cappuccino. Ali, ela somente sobrevivia.
“Escape from this afterlife.”
30 de setembro de 2009

Sentou-se no café. Sua fumaça fazia os contornos do seu rosto, exatamente como um sonho que teve há muito tempo atrás, em Saint Paul. O quente queimava seus lábios, sua pele sentia o sentido do café descendo em sua garganta, era a justificativa de seu nervosismo a consumindo. Porque todos que sempre a tiveram a jogaram fora, como simples papéis, uma conta de supermercado, um bilhete de geladeira. Não saberia o quão valiosos poderiam ser, por isso em sua caixinha guardava até uma pequena embalagem de um remédio. Era o caso que, quando o via, se reportava ao antigo. Mas as pessoas sempre eram frias e, as que não eram, tinham um sentimentalismo tão exagerado que não viam nada além do que quisessem. Não existia meio termo. Ou o papel ficaria na geladeira para sempre, ou iria ao lixo junto com tantas outras coisas. Mas aí o sentimental vai se questionar se valerá mesmo o custo de manter no mínimo dois quartos abarrotados de botões e capas de cd’s quebrados que, por exemplo, lembram uma saia destituída do seu completo e um descuido por estar ao lado de alguém especial. E aí tanto cuidado com objetos pessoais acabar se tornando maçante ou prazeroso, e é claro que o maçante, ao se desfazer de tudo, vai se tornar um frio por não guardar mais datas ou um desinteressado em um passado bom. O prazeroso vai ser taxado de louco por guardar coisas que para os frios são chamadas de “lixo sem valor”. Mas entre frios, sentimentais, maçantes e compulsivos, há uma data (sempre há ao menos uma) que nunca será esquecida e um papel ou um pequeno fruto em um pequeno saco que jamais irá ao lixo.
26 de setembro de 2009

Levantou-se calmamente para ver o clima do seu novo dia, e alegrou-se por sentir mais um dia típico de Londres. Só que esse dia era primaveril. Buscou lá no fundo do seu armário surrado uma calça vermelha e preta e vestiu-a. Depois colocou uma blusa e um casaco que alcançava seus joelhos, ambos pretos. Achou o seu lenço vermelho e o amarrou ao pescoço. Como em outros dias, os seus cabelos estavam ondulados, porém, no seu lugar costumeiro. Já estava farta de pensar em sentimentos. Se fumasse, provavelmente já teria acendido ao menos uma carteira de cigarros para controlar sua ansiedade sem origem nem objetivo. Se fumasse mas quisesse parar, tinha a certeza que teria uma recaída. Mas, ah… Aí estava a notícia boa: ela não fumava. Uma preocupação a menos, enfim. Só que ela ainda possuia uma dependência cuja abstinência já estava a deixando elétrica. Precisava do seu cappuccino. Não sabia como as pessoas poderiam não gostar de café. Até o aroma parecia em partes satisfatório da sede. Passou pela sala e deu uma piscadinha para o grande quadro envelhecido de John Lennon em sua parede. Foi até a cozinha e preparou um café para mais tarde comprar seu cappuccino. No mínimo quatro xícaras por dia, sim senhor. Sentou-se na sala e ligou a televisão para que sua cabeça não escutasse nada na sua casa vazia. E ali estava Lennon a fitando através dos pequenos óculos redondos de aro fino e cantando devagar ao seu ouvido “She loves you, yeah yeah yeah…”. Ela não pôde deixar de sorrir à visão desse pensamento. Jogou um beijo de sua mão espalmada à Lennon e chaveou a porta. Andando por aí, como na maioria das vezes, indo ao Café e depois saindo sem rumo, encontrou a árvore que havia chamado de Jenny. A árvore que antes era pequena e comum estava enorme e, na primavera, com grandes flores violetas. Então ficou imaginando onde andaria a simples garotinha sonhadora a qual ela tinha criado uma simpatia imensurável. Seja pela familiarização que possuía aos sonhos ou ao fato de ser sonhadora como a pequena, ou pela vontade de protegê-la, possuía um enorme desejo de reencontrá-la e vê-la sorrir, querendo ver um vãozinho nos seus dentes da frente, a perda do primeiro dentinho de leite, que ela nem ao menos sabia se já havia ocorrido.
23 de setembro de 2009

17 de setembro de 2009

12 de setembro de 2009

8 de setembro de 2009

4 de setembro de 2009

31 de agosto de 2009

O que é mais puro e perfeito que os olhos? As câmeras não conseguem capturar o que se vê ao lado deles. E como elas capturariam cada balanço delicado daquelas árvores de poucas e ralas folhas londrinas? E como capturariam também um momento pré-sono tão singelo e calmo e o som daquela música ou do silêncio? Do farfalhar das folhas secas caídas, se espalhando e se arrastando pelo chão molhado de pessoas infiéis, medrosas, corajosas, sentimentais e frustradas… Se a melodia era outra, as palavras saíam confusas e em uma desordem não habitual. E ela estava ali, tentando fotografar coisas que sua percepção conseguia assimilar e que jamais veria de novo. Tentava se explicar, justificar a si mesma, que não voltaria mais naquele lugar com aquela música e com aquele cheiro, e tentava também não se culpar por não ter isso de volta. Viver daquela maneira parecia aos olhos dos outros vazia e seca, mas o que ela queria mostrar era o modo de se viver, completamente estranho e, de qualquer jeito, feliz. Era como se viver. Quem lhe falava do céu tão colorido e criticava seu céu puramente cinza com tons avermelhados, achava que chorar era humilhante sem saber que crescia ao mesmo tempo, dizia também que era um modo difícil de sorrir. Mas ela sabia, sim, que poderia sorrir enquanto o frio estivesse ali. O que queria era encontrar alguém, precisava de alguém que pudesse abraçá-la, que sentisse como ela se sentia em frente ao frio, e desejasse o calor que ela desejava. Então, desesperadamente, pensou em voltar. Voltar de onde tinha saído. Não queria deixa seu céu. Queria abraçá-lo, queria tê-lo para sempre, queria aquele cenário até o fim dos seus dias. Era aquele cenário, aquela devoção cega, aquela utopia.
26 de agosto de 2009

O que ela fazia dali em diante? E ao considerar a expressão “em vão” lembrava-se de um passado não tão remoto e ainda não superado. Apesar das suas perdas serem relativamente pequenas e insignificantes para qualquer outra pessoa não tão observadora e sensível como ela, ela sentia um grande vazio pela ausência deles. Mas o que era hoje relembrar? Talvez um ou outro guardaria o sorriso sereno e receptivo dela de todas as manhãs, provavelmente esse seria o mendigo, o mais humilde deles e, na opinião dela, o mais carente de carinho. O homem de mãos dadas com a menina nem a notava no caminho, tamanha era a pressa que a maleta e o terno escuro dele traziam. Já a menina poderia esquecê-la ao ganhar um abraço caloroso da mãe, da tia, da família… Ou não. Ela nunca saberia, e a rua que hoje enfrentava era deserta e calma. Ela estava sentindo mais frio que o comum. Vestia o seu antigo e surrado cachecol vermelho que ainda guardava o cheiro do seu perfume floral. Sabia descrever cada milésimo de segundo dos seus movimentos. Ela já não era mais tão delicada, essa leveza se alternava com seus momentos mais frios e ela não sabia definir uma razão ou um pensamento fixo. Ali sentia-se fria e muito cética. Queria não imaginar que se sentia mal em um lugar onde não fazia nada além de comprar um cappuccino em um bar velho e não tinha nenhum tipo de relação com pessoa alguma, e que, sem dúvida, sentia muita falta disso e isso a incomodava.
17 de agosto de 2009

14 de agosto de 2009

Ela aprendeu a não caminhar de cabeça baixa, onde só enxergava seus pés, e sim com o rosto erguido para olhar todos como seus iguais. Demorou muito, mas também aprendeu a todo custo que decepções eram inevitáveis e extremamente dolorosas, aquela dor não doída, que fica na garganta por tempo indeterminado até que se esqueça dela. No tanto que andava sozinha ali, não avaliava mais a mente humana, pois sabia que conhecimento limitado só limitava suas expectativas. Surpresas a consumiam e a sua frase a respeito de choros era a velha “Não sei”. Mas no fundo sempre soubera e sempre saberia, bastam motivos para se sentir triste e lágrimas dispostas a cair que sua armadura estava ali, ocultando a parte sensível e secreta de si. Decepções são inevitáveis, ilusões são inevitáveis. Olhos fechados por um instante são um perigo. Perder muito tempo ou pessoas pode ser muito frustrante. E ela sabia disso.
30 de julho de 2009
2 - Post Perdido.

Meça suas palavras e entregue-se à elas, nenhum dicionário trará a verdadeira intensidade da palavra amor. Para os céticos em sentimentos, nada mais que uma palavra, para os cegos amantes, talvez o rumo de uma vida. O que é “te amo” para aqueles que mais esperam? Talvez uma vida toda por cinco letras. Meça também seu afeto, um roçar leve que mãos úmidas, inocentes e nuas, para um cético, várias dúvidas e desvio do objetivo, para um amante, um novo início e o aguardo de cinco letras. Meça suas lágrimas e não se admire por aquelas que não mereceram cair, se cairam não foram em vão, pelo menos no momento em que passou. Meça um abraço, que pode ser considerado tão insignificante quanto uma palavra para os descrentes e insensíveis. E é quando o sentimentalismo resolve sair por cada poro de nosso corpo material, que infelizmente, por nos acharmos jovens demais, preferimos desacreditar no amor e não lhe dar chance.
24 de julho de 2009
Durante dois dias não tinha esquecido o rosto minúsculo da criança de cabelos finos. A menininha não voltara, e ela sabia que não voltaria a vê-la. Só gostaria de saber se o frio a encomodava, se ainda estava com fome e se ela estaria bem. Trazia preocupação, sentia que deveria ter feito alguma coisa enquanto a tinha em seu alcance… Porque apesar de tudo, sabia que era tão simples fechar os olhos e ignorar os fatos… Mas não poderia. Alguém poderia se sentir como ela? E os sonhos da criança, por onde andariam? Teriam um alicerce, uma formação, uma ideia, um apoio? E os olhos dessa mesma criança, o que veriam ainda? E o abraço dado diariamente por um coração quente, ela não teria… E durante dois dias não tinha esquecido o rosto minúsculo da criança de cabelos finos. No terceiro dia, já não lembrava direito dos seus olhos amendoados e nariz pequeno. Só lembrava da cor do cabelo e do formato do rosto. Era um tom de dourado bonito, com o fio fino. E seu rosto era arrendondado, com um queixo extremamente charmoso, com uma leve curva. Era sua única lembrança permanente da menina, até que seus pensamentos a apagassem inteira de dentro de si. E durante dois dias não tinha esquecido o rosto minúsculo da criança de cabelos finos. O seu caminho foi feito novamente, e não conseguia olhar para aquele chão sem lembrar dos pequenos pés saltitantes que ali a acompanhou por poucos minutos. Então, novamente, trocou de Avenida. Seus olhos não haviam se acostumado mesmo com aquela, era fácil de se conformar dessa maneira. E na outra Avenida encontrou telefones públicos vermelhos e uma multidão. Por onde tinha andado esse tempo todo, procurando afeto sem procurar, e não vira que ali do seu lado existia uma rua onde conquistar seria tão difícil quanto se desapegar? O homem de Saint Paul, o mendigo, a baixinha de pernas curtas, o homem e a pequena garota, e a menininha. E durante dois dias não tinha esquecido o rosto minúsculo da criança de cabelos finos.
A walk on part in the war, for a lead role in a cage? How I wish, how I wish you were here.
22 de julho de 2009

Porque me encontro nas entrelinhas? “Quem é mais sentimental que eu? Eu disse e nem assim se pode evitar.”
20 de julho de 2009

O canto da porta vermelha do café estava bastante sujo, pintavam nele tons de ferrugem e algumas poeiras já de “estimação”. Agora a garçonete de cabelos ruivos já era conhecida, e lhe trazia um cappuccino levemente adoçado e muito quente, como era de seu gosto. Sorriu-lhe e deu as costas, ocupada em pegar o pano de limpar o balcão, que fugira das suas mãos por duas vezes seguidas. Seus sapatos pareciam dizer um caminho para seguir, porém seus pés apressados e embaralhados (que ela vinha notando desde que voltara a frequentar o café) demonstravam sua personalidade atrapalhada. Frequentemente via o dono do bar soltando gritos e ameaças por todo lado para os funcionários. Era gordo e tinha uma careca extremamente bem lustrada e, se não fosse pelo fato de ficar vermelho e se sacudir impacientemente, ninguém notaria a densa peruca de fios loiros que tomava sua cabeça. Apesar de vários pontos negativos que notava no dono do bar, ele sempre desejava bom dia para seus clientes, e saía resmungando, falsamente contente, para a rua pegar um táxi e ir ao mercado. Em todo esse tempo, ela continuava lá. Ele voltava com pesados sacos de papel, na sua cor escarlate e no calor que sua raiva transpirava. Ela ainda continuava ali, tomando seu café e analisando o canto escondido e acanhado da porta, como se tivesse vergonha da sua sujeira. Quando um vento arriscava-se a cruzar por baixo do vão da porta, o pó sacudia-se devagar, as partículas erguiam-se… E desciam. Repousavam. Novamente, erguiam-se e desciam… Então pediu à garçonete um papel e uma caneta, ao passo que esta saiu aos tropeços para entregar o pedido. Sentiu-se mal por pedir para a moça de cabelos ruivos voltar, mas ela foi disposta e voltou com um peso de papel, uma bonequinha em miniatura. Curvou-se na mesa e escreveu “Os cantos também precisam de vocês.”, colocou embaixo do peso delicado, juntou o cappuccino, abriu a porta tocando o tintintlar e ficou observando atráves do vidro a reação dos longos cabelos laranjas e olhos azuis.
“O pensamento é o único lugar onde ainda estamos seguros, onde nossa loucura é permitida e todos os nossos atos são inocentes.”
14 de julho de 2009

Sentia-se dolorida. Tinha acordado muito rápido e estava tonta. Mas nela ainda restava um suspiro quente, um resquício de vida humana. Enquanto aquilo existisse, ela estaria pronta para mais um dia. Um respirar cansado e profundo, que de qualquer forma, representava suas funções vitais com a mesma força de antigamente. Não se anulava e nem se diminuía, sabia da sua importância, embora ninguém pudesse demonstrá-la. Como se não bastasse, o céu mostrava um fino feixe de luz, só um. Naquele dia ela desejava mais do que nunca um raio de sol, um céu em cores e não em escala de cinza. O grande centro londrino estava cheio de pessoas indo e vindo, cartazes persuasivos com letras grandes, e nas vitrines, enormes letras expondo o comum OFF. Sua sombra era sua única seguidora, sua única admiradora, pelo fato de erguer-se imponente e possuir tons e arranjos próprios enquanto ela era apenas o sol barrado por um corpo e deveria estar aos seus pés por toda a vida. Aprendeu a amá-la. Esforçava-se para não lembrar, fechar os olhos e não ver, mas nem sempre era possível. O calor que recebia de estranhos era anulado pelo frio que encontrava quando seus dedos giravam a maçaneta da porta. Eram o par perfeito, o frio e o calor, a encenação e a vida real, a afetividade e a frieza, que se anulavam instantaneamente. Porém, ali o que realmente estava em jogo era o equilíbrio. Eles eram perfeitos, completos, e anulados. A chama e o gelo, mas não exatamente em todas suas formas. Elas não existem, e a isso chamam de utopia, porque sempre há aquele que doa mais do que recebe.
Fall for you – Secondhand Serenade.
10 de julho de 2009
E o refúgio dos seus problemas fugia de seu alcance. Era tão egoísta e arrogante que queria saber tudo, esquecendo que o importante é sentir. Se não achasse as palavras certas, como definiria as coisas? Precisava sentir, aprender a soltar suas expectativas. O que sabia é que de tanto negar suas próprias habilidades e seus talentos, já não ouvia mais a frase daqueles antigos amigos que faziam as sílabas de “Você é especial” soarem corajosas e persistentes. Nada enchergava nela mesma, os seus planos para o futuro eram tão incertos, e eram só planos, planos… Hoje e amanhã eram tão imprevisíveis quanto o seu humor. Sua euforia e sua tristeza se alternavam e chegavam no ápice. Como era dependente dos outros, mesmo inconscientemente. O frio e o escuro convidativo, pelo contrário do que se pensa, não era obscuro e inviável a sorrisos. Para ela era um momento incomparável do dia, tinha um significado igual ao de um céu azul e um sol brilhante para os outros. Não significava melancolia, significava poesia, significava fechar os olhos e sorrir, sentir o vento gelado bater no rosto e estar aquecida, significava simplesmente chorar de felicidade por presenciar uma cena única em um minuto jamais repetido num estranho segmento chamado tempo. E os dias passam e o céu muda, e a luz não se esgota nunca, pela noite ela apenas se esconde e amanhece anunciando mais um dia… Das nossas vidas. O que fazia era comandado pelo vento, ele a varria, a impulsionava, era só o vento que movia suas pernas que ficavam dia após dia mais pesadas, até chegar a porta vermelha e o letreiro azul do seu café. O que hoje vale um abraço? O que se vende? Carinhos não sinceros, sorrisos e abraços, todos comprados, e o que vale, então? Em seu passado ficavam aqueles sentimentos doloridos da falta de um abraço quando ele era pedido… Apesar de o ter ganho quando mais nova, com o passar dos anos a frequência que o recebia era menor do que antes. Sabia que isso não era falta de amor, só não conseguiam demonstrar…
"Dia,
espelho de projeto não vivido,
e contudo viver era tão flamas
na promessa dos deuses; e é tão ríspido
em meio aos oratórios já vazios
em que a alma barroca tenta confortar-se
mas só vislumbra o frio noutro frio."
Elegia, Carlos Drummond de Andrade.
9 de julho de 2009
Post perdido.

Mantém teu cigarro aceso pra acender o seguinte, acredita cegamente no amor e na vida utópica, e no silêncio só o que tu serás capaz de lembrar vão ser os fatos, talvez sem a mesma importância de antes no hoje. Não sinta a falta deles. Tu já fostes tão frio, então o seja novamente ao lembrar que quando tudo estava nas tuas mãos, a única coisa que recebiam era indiferença dos teus olhos… Mas também não finja que um dia isso foi nada pra ti.
O castelo era de areia, o cavalo branco nunca tinha existido e o príncipe tinha uma personalidade diferente dos livros. Foi aí que eu vi que não existiam os contos de fadas.
“Eu sei não é assim, mas deixa eu fingir e rir.”
6 de julho de 2009

Aonde estava transformava seus dias à razão do Carpe Diem. Associava o prazer de abrir os olhos com o dia continuamente especial e feliz. Tratava o governo com igual insignificância que era tratada, preferia seguir sua vida com seu ar poético e conquistas tão fracas – porém importantes – quanto sua solidão. Parecia mais sozinha do que seus olhos diziam… O tanto que sua vida passava de abstrato se fazia concreto nas pedras, nas flores, na humildade das sementes que traria novas árvores. Destas, a vasta copa traria a sombra, e dos vastos galhos penderiam frutos doces e matariam a fome daqueles que dela provariam… E tudo era causa da semente. Tão pequena e tão significativa. E ela o que seria em relação ao público visionário que encontrava ali? Seu particular era visto e criticado? Seus olhos e seus sentidos eram percebidos por aqueles espectadores? Era difícil dizer. Raramente encontrava um sorriso, era mais comum encontrar olhos cansados que não conseguiam absorver suas razões ou olhares pesarosos, com sentimento de pena. Não eram olhares dignos pois nem ao menos sabiam o que acontecia com ela. Como uma armadura, traçava dos pés à cabeça um sistema isolado do meio em que vivia e achava sua proteção e companhia no silêncio e nos acordes da música. No sibilar rouco dos pássaros e na singela repetição dos grilos e das cigarras… Que não via há muito tempo. Já nem lembrava do dançar das águas doces e de beleza de uma praia, tão colorida e igualmente azul, onde o horizonte era apenas uma linha que dividia os tons de azul. O tempo se mostrava agradável e receptivo, então ela decidiu sair e encontrar as folhas e a arte. Seu porte feminino esbanjava sua sensualidade, antes reprimida em seu casaco comprido e escuro. Usava uma bela blusa branca que cruzava abaixo do cós de sua calça preta, e botas brancas que faziam o barulho que tanto a encomodava. Seus cabelos estavam soltos, e devido à passagem de duas estações, estavam muito longos e chegavam na sua cintura. Levava também um lenço vermelho ao pescoço. Tão irônico ao lembrar da Guerra dos Farrapos, e momentos que refletiam em seu lenço, que por sua vez, pintava levemente seu rosto de rosado claro e trazia a bravura e o sentimento nacionalista à sua memória. E o que levaria aquele vermelho embora um dia? O homem complexo e irracional que exulta o fato de pensar além dos animais mas porta-se como tal… Que não sabe amar e coloca acima de pessoas, laços e corações a sua ambição, que derrama líquido vermelho e lágrimas salgadas e densas… (…)
2 de julho de 2009

E agora… Qual seria o tema de sua vida hoje? O sentimento de abandono ocupava seu quarto, ela se deitava e sentia um afundar do colchão ao seu lado, a tão conhecida solidão apagava a luz e sussurrava em seu ouvido palavras de dor e sua garganta começava a doer, seu coração batia descompassadamente, dentro dos seus olhos sentia o peso daquela água salgada, e adormecia. Logo ao acordar, o dia refletiu em seu humor, um céu mais claro e receptivo transformaram sua tristeza em luz e cor. O que veria hoje? O que sentiria? Faria as mesmas coisas e não acharia mais interesse ali? Saiu para fora de casa pensando no que fazer. Era certo que viver somente com uma herança como a dela era uma ambição de qualquer pessoa, abririam mão de trabalhar e viveriam facilmente com muitos confortos. Sabia que lhe faltavam conversas, sorrisos e companheirismo. Como havia sobrevivido tanto tempo sem isso? Queria falar de poemas, romances e músicas, queria que seus cinco sentidos exercessem um papel importante e contrutivo de acordo com seus pensamentos afetivos. Já era outono… Já fazia tanto tempo desde o inverno que chegara ali. E aquele outono fazia as árvores derrubarem suas folhas (belos tons de dourado) lamuriosamente, lembrando que cada uma delas era uma parte do todo. Lamentando-se, de que perdendo aos poucos, no fim já não possuía nada. O formato delas não se definia. O chão era incrivelmente bordado de laranja, amarelo e tons de outono. E as folhas caíam… E os gramados das casas estavam intactos e extremamente verdes, os portões brancos estavam alvos e as casas iguais continuavam exatamente ordenadas como antes… É, é verdade. Ninguém arriscaria uma cor azul chamativo ou rosa pink entre aquelas clássicas casas brancas muito bem distribuídas e com seu terreno milimetricamente contado. À medida de seus passos, podia distinguir ao fundo de uma casa e outra, uma família sorrindo em mais um almoço, um cachorro correndo e fazendo brincaderas com três crianças, os pais filmandos os primeiros passos de um bebê. Era uma cena de cinema.
23 de junho de 2009

E durante dias foi assim que se seguiu. O homem e seu perfume com um cheiro forte que denunciava sua personalidade (Porque ele usava um perfume diferente agora?) olhava e sorria dizendo um “Bom dia”, ou mais raramente, “Como vai?” e seus dentes alvos apareciam, seu hálito quente parecia sempre se aproximar mais um pouco do seu rosto. Porém, somente seu silêncio conseguia responder àquele homem. E aquela coragem que sempre admirava em si mesma havia sumido. Logo que saiu dali, resolveu respondê-lo. Que mal teria? Seus cachos extremamente negros estavam comportados, seus dedos volta e meia os percorria, enrolando-os e soltando como uma pequena mola. Abriu a porta do café, surpreendidamente decidida, mas a linha de sua visão percorreu paralelamente ao chão, contornou os móveis, chegou ao balcão, e só conseguiu ver uma balconista que nunca havia notado ali. Tinha olhos muito azuis que faziam um enorme contraste com seu cabelo laranja. Vestia um casaco verde limão e em seu crachá estava escrito “Sarah” com letras bastante disformes. Sorriu para ela e perguntou se desejava o de sempre. De sempre? Quem era a funcionária nova que ela não lembrava? Suas mãos suavam e sacudiam-se de cima para baixo. Concordou com um aceno de cabeça.
22 de junho de 2009

Sentou-se e pediu seu cappuccino, sem olhar para o lado. Não desejava que seus olhos tocassem os olhos dele. Assim que seu café chegou, suas mãos tocaram no copo marrom e branco descartável e ela se levantou, e notou que os olhos do homem a seguiram até a porta. Ela não ousou virar para trás. Porque diabos tinha saído logo com aquela calça? A mais velha de seu guarda-roupa? E porque ele tinha encontrado ela exatamente quando parecia que um carro tinha passado por cima dela? Ela realmente não entendia o sentido de tudo isso. Estava morrendo de vergonha de uma coisa que não precisava ter. The Used, All that I’ve got. Ouvia calmamente enquanto andava pelas ruas tomando seu café. Era tão estranho o dia ter ficado repentinamente claro e mais quente. Tirou as luvas. Seria só ela com aquela sensação? Ou seria o efeito do cappuccino aquecendo cada mínima parte do seu corpo? 3 minutos e 58 segundos depois, Blue and yellow. Não conseguia acreditar que caminhava e cantava aquela música. Buried myself alive. Sua expressão traduzia tudo, cantava como se fosse a última oportunidade na vida que tivesse (logo depois aprenderia que era necessário ter essa sensação). Sua completa desentonação a deixava tão bonita, e com o volume extremamente alto, sua voz saía como um grito. Não se sentia tão empolgada assim a um bom tempo. Seria pelo repentino encontro? E de onde vieram todas essas perguntas? Apesar de estar assustada e em partes, com um medo sem justificativa, se sentia completamente bem.
17 de junho de 2009

Doce ilusão achar que encontraria companhia e o amor verdadeiro em um lugar aonde o céu esconde o próprio azul, e o sol brilha apenas em algumas frações do dia. Gostaria de pegar um papel, naquele exato momento, e demonstrar o que sentia em relação à tudo que vinha vivendo ali. Seu passado tinha sido tão cruel, e ela lembrava vagamente do rosto daqueles que de um momento para outro deixaram de amá-la. Mas não queria que, de suas mãos, do tenro grafite cinza daquele lápis que valia menos do que o valor que ele tinha para ela, saíssem palavras que relembrassem sentimentos que ela lutara fortemente para esquecer. Mas o seu real desejo, era colocar em memórias o que sentia, e sempre quis dizer para os outros suas contradições. Mas sua mão esquerda tocava aquele objeto tão significante e tão insignificante ao mesmo tempo, que começava a tremer e aquilo que era pronto para ser transmitido, dispersava-se como pássaros ao passo de um simples movimento. Talvez um cappuccino pudesse ajudar. Suas luvas geladas cobriam seus dedos, mas era em vão. Abriu a porta envernizada, e ela agora estava pintada de vermelho. Se perguntava a quanto tempo ela estaria assim, a quanto tempo a pintura havia sido trocada e a madeira que antes era tosca, apresentava-se nova. E quando a porta fez um tintlar para anunciar sua presença, alguém sentado no balcão virou o rosto para ela, e seus hormônios liberaram adrenalina. E aos olhos dela, pareceu que toda aquela adrenalina se voltara para suas pernas, que começaram a tremer nervosamente. De súbito, fechou a porta e voltou para fora, e somente depois desse ato completamente impensado, sentia-se inteiramente infantil e corada. Abriu a porta, e desejou que aquele sininho não estivesse ali. O homem de casaco marrom escuro e lenço no pescoço virou-se para ela de novo, e sussurrou um “Bom ver você novamente”. Achava que se respondesse poderia gaguejar ou falar besteiras. Preferiu ficar calada. Era ele, o homem que estendeu a mão para ela em frente à Catedral Saint Paul, o mesmo homem que ela, por vários dias seguidos, procurava o perfume entre suas roupas e sua mão, ficando intencionalmente frustrada, sabendo que ali não havia outro cheiro senão o do seu creme de pêssego. Mas ali estava ele em sua frente, sentado, tranquilo, tomando café com suas roupas escuras, e com o mesmo ar sereno que encontrou ela a tempos atrás.
24 de maio de 2009

Pensou que seria bom materializar seus rostos e suas expressões ao longo daquela rua, pelo menos por um tempo de adaptação. Jamais imaginara que não vê-los todas as manhãs e fins de tarde, seria uma perda sem medidas. Mas é claro que com o passar dos dias, que já eram meses, ela esquecera da cor apagada dos olhos do mendigo, do relativo tamanho das pernas da baixinha, do curvar dos lábios da menininha… E eles simplesmente se extinguiram e deixaram um vazio em branco. Sabia lidar tão razoavelmente bem com a solidão, que não imaginara quanta falta sentiria das expressões cansadas, sofridas e alegres que ao passar deixavam seu cheiro tão característico… Como sempre, era sua casa que abrigava seus pensamentos e seus temperamentos, tanto ruins quanto bons. E era o seu sofá verde que gelava seus pés quando ela procurava os esquentar. E era o mesmo sofá que ela dormia quando o sono não vinha em sua cama, e o sorvete que ali comia, era o único alimento que preenchia a sensação de se sentir sozinha. Suas mãos delicadas com seus dedos finos e compridos se contraíam com frequência e procuravam um canto entre seus próprios braços cruzados para mantê-las em uma temperatura mais confortável.